A "AAA" (Associação de Alcoólatras Anônimos) realmente faz milagres com algumas pessoas. O Gari, nos anos em que bebia, era, assim como o Baitaca e o Bejo, uma figura folclórica na cidade. Como todo bom bebedor, ele não se afastava de atividades que o deixassem próximo de uma garrafa de pinga. Talvez por isso tenha chegado a ser proprietário de bares e até de um restaurante.
Há uns 40 anos, ele era dono de um bar instalado em um casarão que ficava ao lado da antiga Prefeitura. Lá, em um final de tarde, quando estava para fechar as portas e todos os fregueses que passavam o dia escorados no balcão ou nas mesas já estavam pra lá de bêbados, um dos clientes resolveu fazer um forro no estômago usando o troco da conta. O borracho foi até o balcão da bodega e, depois de balançar indeciso o dedo sobre o vidro sujo do balcão, com a voz empastelada, pediu um "croquete":
— Me dá aquele croquete aí, seu Gari!
— Oh, infeliz! Tu tá bebendo e vendo coisas! Aqui não tem croquete nenhum! — retrucou o Gari, tão bêbado quanto o freguês.
— Não quer me vender, hein! Eu tenho dinheiro! — insistiu o bêbado.
O Gari, enfiando a mão sob o vidro do balcão com um gesto vigoroso e rápido, afastou uma nuvem preta e espessa de moscas que se acumulavam sobre um dos seus petiscos e disse, rindo:
— Tu tá bêbado mesmo, tem que ir embora, não vês que isso é um ovo cozido, seu burro!
De fato, as moscas deixaram visível um ovo amarelado, mesclado de tons azulados.
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