Sempre ouvi dizer que a gente só dá importância para a energia elétrica quando ela falta; caso contrário, ela é um dos muitos benefícios modernos que se tornam, com o tempo, imperceptíveis no dia a dia. Até o dia 28 de maio do ano de 1955, nosso distrito, que teria plebiscito no mês seguinte para formalizar o desejo de emancipação e que se tornaria autônomo em agosto, vivia quase às escuras. Melhor dizendo, às escuras não, porque tínhamos alguns escassos geradores a diesel que proporcionavam, por algumas horas no início da noite, a luz de emergência. Um desses motores pertencia à família dos Bernardi, que fornecia aquela trepidante energia elétrica para algumas famílias privilegiadas da vila. Fora isso, velas, lampiões, lumes e lamparinas fumacentas.
A chegada da energia elétrica de alta e baixa tensão provocou na Vila uma perceptível revolução. O armazém de secos e molhados dos Rosa Lopes passou a colocar à disposição da população fios encapados com borracha e cadarço, soquetes de porcelana, chaves, tomadas e “bicos de luz” de 40 a 150 “velas”, como se entendiam os watts, em alusão à potência das lâmpadas naqueles tempos. Esses produtos eram vorazmente adquiridos pelos novos consumidores que desejavam adaptar suas casas.
Claro que, com a luz, com a energia nos postes e com o material de instalação no balcão, faltava o principal: um técnico que pudesse, com maestria, fazer as instalações nas casas e nos comércios. Atraído pelo mercado de trabalho, com um Jeep e muita experiência, mesmo sendo ainda muito jovem, chega à pequena Tenente Portela, o “Seu” Lucídio. Ele imediatamente se instalou no Hotel da Dona Edi, onde foi companheiro de quarto do folclórico Dorneles Leite, de quem se tornaria compadre. Com muito trabalho pela frente, ele arregaçou as mangas e iniciou, literalmente, a função de apagar as velas.
Quase não vencia o serviço, tanto que logo surgiram outros especialistas, mas, para o povo da cidade, quem entendia mesmo era o seu Lucídio. Era o começo de uma jornada de meio século sem folgas longas e sem férias.
Instalou as máquinas no recém-inaugurado cinema, substituiu os geradores por energia de confiança nos aparelhos complicados do hospital. Com a luz da CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica), montou a primeira sala de raio-X, montou o sistema elétrico da hidráulica da cidade, instalou postos de gasolina, como o moderno e pomposo, hoje abandonado, “Servicentro Esso”. O seu Lucídio fez toda a instalação das luzes da majestosa Igreja Matriz e instalou a cruz luminosa de 20 metros por cinco na torre de 45 metros do templo religioso, instalou as emissoras de rádio. Nos tempos da suinocultura em alta, instalava todos os equipamentos necessários no início da era da automação, montava as primeiras chaves de acionamento à distância com esquemas próprios e outros tantos serviços, onde além de acumular clientes, acabava dando uma assistência técnica praticamente vitalícia.
Hoje, o velho eletricista, beirando os 90 anos, está aposentado. Em Portela, deixou saudades de sua presteza profissional, mas mais do que isso, deixou na saudade uma expressão que era costumeira em outros tempos. Embora ainda hoje, muitos distraídos ainda repitam quando dá um pane elétrico a frase que quase todo mundo falava: — Chamem o Lucídio!
Mín. 17° Máx. 35°