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A casa do Eduardo

Recuerdos de la Habana (CENA 1)

Por: Jalmo Fornari
08/07/2024 às 14h12 Atualizada em 08/07/2024 às 14h18
A casa do Eduardo

Eduardo é técnico em informática. Há alguns anos, ele mantém contato com brasileiros que chegam a Cuba, e a cada visita, seu sonho de deixar o país se torna maior. Um tio que já está em São Paulo envia cartas e fotos que só aumentam seu desejo, transferido temporariamente com o nascimento de Melissa, sua primeira filha, em outubro passado. Eduardo nos busca na clínica para jantarmos e passarmos algumas horas com sua família. A uma distância de cerca de oito quadras da clínica, aproveitamos para conversarmos sobre o seu cotidiano e sobre seu país. No caminho, pergunto sobre a qualidade do ensino e sobre como foi sua educação. Eduardo, enquanto esperamos abrir um sinal em um cruzamento, me diz que, como todas as crianças de sua geração, foi educado aprendendo na escola o respeito aos ideais da revolução e o desprezo ao imperialismo. De repente, ele me diz que tudo aquilo, para ele, hoje é uma contradição. “Nos ensinavam sobre os males do imperialismo, afirmando que devíamos construir um país com nosso trabalho, impedindo a entrada de divisas estrangeiras, e hoje vejo que Cuba só consegue alimentar os cubanos graças aos milhões de dólares que as nações imperialistas investem em parcerias com o governo.” Eduardo se referia às muitas empresas de economia mista que, nos últimos cinco anos, estão se instalando no país.

A casa é um antigo prédio burguês construído há exatos 84 anos, na avenida “Paseo de los Presidentes”, em frente a uma embaixada de um país europeu. O prédio está a uns seis metros da linha da rua. O espaço entre a avenida e a casa serve de garagem para o carro de Eduardo, que é cedido pelo governo. O carro é um assombro, estando sempre em conserto. Trata-se de um Fiat polaco, um mini carro construído na década de 70 pela Fiat da Polônia, na época comunista, fartamente importado por Cuba. As lanternas estão quebradas, a lataria toda enjambrada com alguns recortes. Além de feio, é diferente de qualquer coisa que ainda circule por aqui. Eduardo nem fala do carro, demonstrando certa vergonha, já que, quando pergunto por que ele não vende o “veículo”, ele diz que só pode fazer isso permutando por outro, tendo dinheiro e permissão do governo.

A entrada na casa é feita por uma entrada lateral, já que, além de Eduardo, outras pessoas residem no térreo da construção. A escada estreita está corroída, mas mesmo assim, é visível que foi feita de mármore. Mármore “gris” italiano, nos explica. Somos levados até a sacada, arejada e, embora revestida de mármore gasto, simples, já que não existe nada além de quatro cadeiras de ferro, apenas uma delas com uma almofada. A conversa foi regada a vinho de “maranón” feito pelo dono da casa, que explica que, por não poder comprar algo melhor, tornou-se especialista em fazer vinhos de cereais e frutas. No caso, o “maranón” é uma fruta amarga muito conhecida na ilha. Passamos mais meia hora conversando, quando Greime, sua esposa, que é professora de arte no ensino médio, nos chama para tomar assento na mesa de jantar. O jantar é uma das melhores refeições que fizemos no país. Comemos arroz feito com caldo de feijão em vez de água, bananas verdes fritas, frutos do mar e salada. Para beber, água gelada. A sobremesa, um doce de amendoim, também muito saborosa.

Após a refeição, fomos convidados a conhecer a casa em que vivem nove pessoas da mesma família: o avô de 99 anos, três tios e tias com mais de 70 anos, o pai, a mãe, o Eduardo, a Greime e a pequena Melissa. O melhor eletrodoméstico da casa é um velho aparelho de ar condicionado russo, que Melissa precisa ter no quarto por prescrição médica (ela sofre de alergia), e um refrigerador General Electric americano da década de 40. O ar condicionado russo queimou e não tem peças para ser consertado. Eduardo comenta sobre a difícil situação econômica em Cuba. Ele explica que, apesar de trabalhar como técnico em informática, seu salário é insuficiente para manter a família. Ele conta com a ajuda de parentes que moram no exterior, que enviam dinheiro e presentes. Mesmo assim, a vida em Cuba é difícil, com escassez de alimentos e produtos básicos. Eduardo sonha em deixar o país e tentar a sorte em outro lugar, onde possa ter uma vida melhor para sua família.

Visitamos também a escola onde Greime trabalha. A escola é simples, com poucos recursos, mas os alunos parecem felizes e interessados nas aulas de arte. Greime nos conta sobre os desafios de ser professora em Cuba, com baixos salários e falta de materiais adequados. Mesmo assim, ela ama o que faz e acredita na importância da educação para o futuro do país. Após passar alguns dias com a família de Eduardo, voltamos para o Brasil com uma mistura de sentimentos. Por um lado, admiramos a resistência e a solidariedade do povo cubano, que, mesmo diante das dificuldades, mantém sua dignidade e esperança. Por outro lado, ficamos preocupados com o futuro dessas pessoas, que lutam todos os dias para sobreviver em um país onde as condições de vida são tão difíceis.

Em meio a tantas contradições, uma coisa é certa: Cuba é um país de contrastes, onde a beleza e a tristeza se misturam em cada esquina. É um lugar onde o passado e o presente se encontram, criando uma atmosfera única e fascinante. E, apesar de todos os desafios, Cuba continua a surpreender e encantar aqueles que têm a oportunidade de conhecê-la de perto.

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Jalmo Fornari
Jalmo Fornari
Jalmo Fornari é diretor-proprietário do Sistema Província de Comunicação. Jornalista já atuou nos principais veículo de comunicação do Rio Grande do Sul, como as rádios Gaúcha e Guaíba. Também é advogado com pós graduação em direito previdenciário. Como político foi vereador em Tenente Portela por diversos mandatos, tendo ocupado por diversos momentos o cargo de prefeito. Nesta coluna você acompanha crônicas, textos e memórias.
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