Naqueles tempos, todos sabem, no interior, televisão era um luxo raro, para não dizer raríssimo. Na nossa cidade, no máximo, havia dois ou três televisores (como eram chamados), e todo mundo sabia onde eles estavam instalados. Bastava percorrer as ruas com os olhos e verificar as enormes antenas que, por vezes, atingiam 30 metros de altura. Pareciam réplicas do “14 Bis” suspensas por um cano ‘estaiado’. O sinal, débil e chuviscado, era captado precariamente de uma repetidora instalada em Cruz Alta, distante uns 180 quilômetros. Portanto, a possibilidade de sintonizar a TV na região tornava-a uma novidade que só os mais abonados podiam ter. Mesmo estes planejavam comprar um aparelho apenas no próximo ano, quando seria realizada a Copa do Mundo do México, transmitida via satélite. “Aí sim vai valer a pena!”, diziam.
Assim, só as notícias do Correio do Povo e da Guaíba sobre a ida ou chegada do homem à Lua não chamavam tanta atenção e, por isso, não empolgaram a maioria das pessoas da nossa cidade. Além de meu pai, que comentou o assunto várias vezes assim que chegou de uma de suas viagens, só a professora Neuza falava muito do assunto no colégio. Ela, apesar de lecionar português, era apaixonada pelo feito inédito que os americanos ameaçavam realizar. Vale lembrar que meu pai era motorista de caminhão e sempre foi uma espécie de ligação entre nós e o mundo exterior. Ele adorava nos contar as novidades que via ou ouvia em suas viagens, a maioria narrada nas rádios Guaíba e Farroupilha, que eram atentamente ouvidas entre ruídos no enorme “super-heteródino” que tocava notícias ininterruptamente na 'boléia' do velho FNM 'brasinca'.
Coincidiu que, no final de semana da espetacular viagem do homem à Lua, papai estava em casa. Nas horas do noticiário, nós e os menores — éramos seis irmãos — ficávamos em absoluto silêncio ouvindo o Correspondente Renner na voz de Milton Ferreti Jung ou as impressionantes reportagens de Flávio Alcaraz Gomes. Este último, um nome familiar de quem, apesar de eu ser ainda muito menino, recordava das reportagens com trilhas de bombardeio ao fundo, na cobertura da “Guerra dos Seis Dias em 1967”, ouvidas ainda no colégio interno em Carazinho. Anos depois, curiosamente, fui colega de trabalho de Flávio Alcaraz Gomes e de Milton Jung.
Na segunda-feira, dia em que o homem pisaria na Lua, passei a madrugada de domingo agitado, quase não dormi, imaginando tragédias e desastres, influenciado pela fé cristã e as crenças de minha mãe, que viam naquela viagem um ato de desafio aos desígnios de Deus. Durante o dia, me flagrei várias vezes olhando para o céu. Claro, já haviam me dito que a Apolo 11 não podia ser avistada, mas vai que...
Na metade da manhã, eu e alguns amigos ficamos sabendo que no Hotel Avenida, no edifício Roewer, inaugurado há pouco, havia uma televisão que podia ser vista da vitrine que dava para a rua. Passamos horas espiando. Agrupamo-nos afocinhados na janela. O que se via eram imagens absurdamente chuviscadas em preto e branco e os fantasmas decorrentes da péssima captação do sinal. No entanto, nossa criatividade juvenil deixava-nos imaginar o módulo lunar, o Neil Armstrong deixando suas pegadas no pó e a bandeira, intrépida, sendo cravada na Lua.
Horas depois, talvez notando nossa descontrolada curiosidade, um atendente do hotel permitiu que entrássemos desde que ficássemos em absoluto silêncio em um dos cantos, atrás das cadeiras dos hóspedes. De lá, podíamos ver melhor o aparelho de televisão e as imagens. Como a maior parte do áudio da TV era em inglês, alguém teve a ideia de ligar um rádio em ondas curtas, na Guaíba. Com o som do rádio e com as imagens da TV chuviscadas, emocionados e em completo silêncio, só ouvindo as ponderações dos mais velhos nas poltronas, acompanhamos aqueles momentos que jamais se apagarão da minha memória.
Por anos, mantive pendurado no meu quarto um pôster preto e branco que havia circulado em um jornal da época, não lembro qual. Na imagem, a Lua ao fundo e os três astronautas em primeiro plano. Por muitas vezes, ao acordar de madrugada, olhava aquelas figuras e ficava intrigado. Como Michael Collins havia topado fazer toda a viagem, ficar orbitando a Lua e não exigir também a oportunidade de se imortalizar pisando no satélite? Uma baita desconsideração! Pensava.
Os anos passaram. Aliás, já passou meio século. Resta ainda na lembrança a voz metálica de Flávio Alcaraz Gomes, chegando aos nossos ouvidos como uma prova de que tudo aquilo era verdade, verdade absoluta, pois estava “dando na Guaíba”.
Por muitos anos após aquele momento histórico, guardei, com um reservado orgulho, o fato de ter sido um dos poucos humanos que teve o privilégio de ver o homem marcar um passo decisivo na conquista do espaço, no dia 20 de julho de 1969, e em momento algum ter duvidado do que assisti, ouvi e vivi.
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