Túnel do tempo: volta-se aos dias em que o cortejo seguia no passo do cavalo, o telefone só existia nas grandes cidades e ainda tinha fio, e o maior obstáculo entre dois apaixonados era sempre o pai da moça. O cheiro de terra molhada misturava-se ao aroma doce do bolo de fubá recém-assado, e ao longe o som arrastado de um acordeão anunciava a festa que ainda viria.
Meu nono, Fioravante Fornari, era daqueles namoradores natos: calça de brim diamantino, camisa xadrez bem passada e um olhar que parecia puxar as pessoas para o salão. Quando ele bateu à porta do sogro, o ranger da madeira soou como um prelúdio, e ele, tomado pela empolgação, disparou sem hesitar:
— Vim pedir a mão de uma das suas filhas em casamento!
Exibiu o sorriso mais convencido da região, ainda com o gosto de café e broa na boca.
O senhor Favero, porém, impôs sua condição:
— Rapaz, eu até gosto de você, mas só caso a mais nova depois que a Thereza Ângela, minha filha mais velha, se ajeitar primeiro.
Lá estava a Thereza Ângela, com seus dezessete anos, linda e serena, alheia às peripécias do Fioravante — e, ao lado, a irmã mais nova, tímida e corada como botão de rosa. Nosso galanteador fitou a moça no vestido de chita preta com flores brancas, sentiu a brisa transportar o som distante das sanfonas e decretou:
— Tudo bem! Gostei! Não era exatamente quem eu tinha em mente, mas ela é bonita e de boa família — igual à outra —, então caso com ela!
Também pesou na decisão o fato de, naquelas colônias, não haver muita opção de namoro, sobretudo entre moças tão elegantes quanto as filhas do senhor Favero, velho parceiro da família.
Imagine a cena: o pai de braços cruzados, o toque grave do berrante ecoando de longe; as irmãs, uma aliviada (“ufa!”, pensou Thereza) e a outra quase desmaiando; e o Fioravante prometendo amor eterno enquanto a notícia corria pela vizinhança na cadência dos passos do cavalo. Em pouco tempo, o noivado estava marcado, o vestido encomendado e o salão da capela do povoado ficando pequeno para tanta gente. Naquele dia, o entardecer tingiu o céu de ouro e púrpura, e a mesa farta, embora simples — café fresco, bolo de fubá, cuca de banana — reunia toda a comunidade, embalados por canções italianas como "La Gigiota la gá un bambim..." entrte outras.
;E não parou por aí: rolou bolo de fubá, as tias comentando cada detalhe e o velho Fioravante se gabando nos encontros de fim de semana. Quando já andava “um pouquinho chuca”, as histórias ganhavam laureus exagerados. Com o cálice de vinho na mão, ele narrava:
— Fui lá, pedi uma em casamento e saí com a outra — e o moço aqui não dá ponto sem nó!
A nona Thereza, então, bufava, batia o pé no assoalho e respondia:
— Ah, seu danado, vai ver se casa com a sua sombra, "vecchio chuco"!
O casal viveu junto pelo resto da vida, teve oito filhos — a “tropa de Fornaris mirins” correndo entre os pé de chimarrão — e acumulou causos que hoje são tesouro da família. A Thereza, antes tímida, aprendeu a dar o troco com bom humor: sempre que o marido recomeçava o causo, ela berrava:
— Para com isso, Vecchio! Já tá sobrando história!
E a casa se enchia de risadas, misturando o crepitar da lenha à alegria de uma família unida.
Nas fotografias amareladas, percebe-se o brilho nos olhos deles: ele, ajeitando o chapéu na mão; ela, surpresa por ter se tornado protagonista daquela verdadeira comédia romântica. Fica a prova de que um pouco de teimosia — e uma ajudinha paterna — bastaram para unir dois corações de verdade.