Minha jornada no jornalismo foi marcada por quatro homens notáveis, figuras icônicas da comunicação brasileira que moldaram minha formação profissional e minha visão de mundo. Cada um, à sua maneira, deixou uma marca indelével em minha trajetória.
O primeiro foi um pioneiro, visionário e prático, que me deu uma oportunidade ainda na adolescência. Sonhava em transformar o rádio em uma ferramenta de desenvolvimento regional — e não apenas sonhou: realizou. Nos anos 1970, quando a televisão ainda engatinhava no interior do Brasil, o rádio reinava soberano. Em Tenente Portela, no Rio Grande do Sul, alimentávamos nossa curiosidade com informações que vinham de longe — da Guaíba de Porto Alegre, da Tupi do Rio de Janeiro, da Bandeirantes de São Paulo. As notícias regionais chegavam pelas ondas da Progresso de Ijuí e da Difusora de Três Passos.
Nesse cenário, nasceu a Rádio Municipal, sob a liderança do pastor evangélico Norberto Schwantes. Ele via no rádio mais do que um meio de comunicação: um instrumento de transformação social. E conseguiu. Sua emissora irradiava ideias e oportunidades que motivaram centenas de famílias a migrar para o Centro-Oeste brasileiro, onde fundaram agrovilas que se tornariam prósperas cidades, como Canarana, Água Boa, Terra Nova e Barra do Garças. Norberto foi um semeador. Faleceu jovem, mas não sem antes deixar sua marca na história: como deputado federal, assinou a Constituição de 1988 diretamente do leito de morte. Tenho imenso orgulho de ter iniciado minha trajetória sob a influência desse verdadeiro desbravador.
Do interior, parti para o universo criado por um nome lendário da comunicação latino-americana: Assis Chateaubriand. Embora tenha falecido antes que eu pudesse conhecê-lo, sua sombra ainda pairava sobre os Diários Associados, conglomerado do qual o Diário de Notícias fazia parte. Foi lá que, ainda calouro na faculdade de Jornalismo, consegui meu primeiro emprego como repórter em Porto Alegre.
Comecei cobrindo esportes no Beira-Rio e no Olímpico, numa redação já distante de seus tempos áureos, mas ainda vibrante. Curiosamente, o Diário foi também o jornal que ajudou a alfabetizar minha infância — eu era incumbido de comprá-lo toda vez que meu pai chegava de viagem. O destino parecia fechar um ciclo: o mesmo veículo que me ensinou a ler me ensinaria a escrever.
Do legado de Chateaubriand, segui para outra experiência transformadora na Rádio Gaúcha, a joia da coroa da Rede Brasil Sul de Comunicação, sob o comando de Maurício Sirotsky Sobrinho. Inquieto desde jovem, ele havia começado com uma “rádio de poste” em Passo Fundo, usando alto-falantes para transmitir música e recados à população. Depois, tornou-se sócio da Rádio Gaúcha, fundou o jornal Zero Hora a partir da extinta Última Hora e consolidou um dos maiores grupos de mídia do país.
Fiquei mais de quatro anos na Gaúcha. Fiz de tudo: matérias econômicas, coberturas políticas no Palácio Piratini e na Assembleia Legislativa, reportagens de verão no litoral e coberturas nacionais, como a da Copa do Mundo de 1982, na Espanha. Também estive presente em momentos históricos, como a visita do Papa João Paulo II a Porto Alegre em 1980.
Sirotsky era uma figura respeitada, mas pouco acessível no dia a dia. O que mais me marcou foi a justificativa de minha contratação, revelada por Ruy Carlos Ostermann, então diretor da emissora. Ele disse:
“O doutor Maurício pediu que contratássemos os dois: o Giacomo, pela experiência; e o Jalmo, pela paixão com que faz suas reportagens.”
Mais tarde, tive o privilégio de entrevistá-lo por telefone, em um momento simbólico: a morte de Elis Regina, em 1982. Maurício resumiu o sentimento do país com uma frase que nunca esqueci:
“O Brasil chora Elis como a França chorou Edith Piaf.”
A última grande casa jornalística que me acolheu foi a Caldas Júnior, sob o comando de Breno Caldas — uma figura discreta, mas profundamente respeitada. O grupo era responsável pela Rádio Guaíba, pelo Correio do Povo e por outras publicações e canais de TV. Iniciei ali como repórter de geral e logo fui escalado para coberturas de verão no litoral, tarefa que já conhecia bem.
Em 1985, recebi uma convocação que mudaria minha vida profissional: cobrir o drama do presidente eleito Tancredo Neves, internado no InCor, em São Paulo. Foram dias intensos, de tensão, incerteza e cobertura quase ininterrupta. A experiência me marcou tanto que se transformou em um livro.
Com o Dr. Breno Caldas, aprendi uma das maiores lições de minha carreira jornalística. Durante uma campanha política, denunciei uma irregularidade de um grupo de apoio ao candidato Alceu Colares, que disputava a prefeitura de Porto Alegre. A matéria foi enviada ao correspondente Renner, e isso bastou para que Carlos Araújo, então companheiro de Dilma Rousseff, enviasse uma carta ao Dr. Breno pedindo minha demissão, acusando-me de ser um “resquício do lacerdismo” na imprensa gaúcha.
Dr. Breno, que nunca havia falado comigo diretamente, mas certamente me ouvia nas minhas muitas reportagens diárias na Rádio Guaíba, chamou-me ao seu escritório. Em um ambiente imponente, parabenizou-me pelo trabalho e informou-me sobre a carta. De forma tranquila, perguntou:
“Tudo o que foi dito está comprovado e tem fonte?”
Confirmei. Ele apenas disse:
“Então, fique tranquilo. Esses políticos usam qualquer artifício para defender suas posições.”
Quando eu já estava na porta, Dr. Breno me chamou e entregou-me uma folha de papel com o envelope.
“Guarde para si, para que aprenda como agem esses políticos!”, disse.
Até hoje, conservo aquela carta, que levantava denúncias falsas contra mim para desviar o foco da informação publicada. Foi ali que percebi que jornalismo e política nem sempre correm em trilhos separados.
Recusei um convite para trabalhar na Voz do Brasil, então revitalizada pelos ventos da Nova República, e voltei ao interior, onde tudo começou. Escolhi a família, os velhos amigos e o sonho de empreender por conta própria. Tornei-me diretor da Rádio Municipal — a mesma onde comecei aos 14 anos. Meses depois, fundei um jornal semanal e busquei a concessão de uma rádio FM, uma iniciativa pioneira na região.
E depois? Bem, depois começou uma nova história, com os mesmos sonhos que me levaram ao jornalismo.