Nas eleições municipais de 1985, a pequena Tenente Portela vivia sua primeira experiência democrática de verdade após anos de silêncio cívico. Era o fim da famigerada “área de segurança nacional”, aquela que nomeava interventores em vez de permitir ao povo escolher seu prefeito — uma espécie de ditadura disfarçada de ordem.
Com tanto tempo privado das urnas, o povo foi à forra. Eleição virou o assunto principal até na fila do açougue. E como entretenimento por ali se resumia a jogo de bocha e fofoca na barbearia, as apostas políticas viraram febre. Todo mundo arriscava um palpite — uns jogavam por convicção, outros só pra ver o circo pegar fogo.
Na disputa local, tínhamos de um lado o vereador Odilo, do MDB, homem de fala mansa e voto firme. Do outro, um médico novato na política, mas apoiado pelas velhas raposas da cidade: o tal de Doutor Neves.
E quem mais poderia protagonizar esse causo senão ele: Baitaca, o mais ilustre e folclórico pinguço da região. Fiel à antiga ARENA (e aos goles generosos de cachaça), Baitaca era o tipo de figura que, mesmo sóbrio — o que já era um evento raro —, causava confusão só de abrir a boca.
Num começo de manhã, surpreendentemente lúcido, viu uns agricultores apostando no bar ao lado da Prefeitura. Com seu faro apurado para uma boa encrenca, não resistiu:
— Aposto uma junta de boi no pessoal do Vermelho! Pra mim, dá Doutor Neves na cabeça! — berrou, provocativo, pra incendiar o ambiente.
Não demorou e apareceu um desafiador. Um agricultor lá dos cantos da esquina Jaboticaba, sentindo-se afrontado, topou a parada. Como já estava cercado de curiosos, não dava mais pra recuar. Então, Baitaca arrematou com categoria:
— Só faço jogo casado! Promessa não vale nada, tchê!
Resolveram que a aposta seria oficializada na manhã seguinte, em frente ao bar. Seu Onoirato, que morava por perto e era conhecido por ser um homem de palavra (e de orelha grande, de tanto ouvir conversa alheia), ficou como depositário da aposta.
Durante todo o dia, o assunto foi o tal jogo do Baitaca. Uma junta de boi era coisa séria naquela época — equivalente hoje a apostar um carro zero ou um Pix gordo.
Na manhã seguinte, o agricultor madrugou. Levantou às três da matina, ajeitou os arreios e, lá pelas nove, chegou ao bar puxando dois zebuzinhos reluzentes. Quando avistou o Baitaca, que estava sentado todo faceiro ao lado de um saco de linhagem, estranhou:
— E a tua junta de boi, homem?
— Tá aqui na bolsa! — respondeu o Baitaca, com a cara mais lavada do mundo.
Pois não é que o desgraçado levou a aposta ao pé da letra? No saco, ele levava uma "junta" de boi mesmo — ou melhor, as juntas, no sentido anatômico: a ligação entre o quarto e a perna do bicho!
Se não fosse a turma do “deixa disso” e o bom humor da maioria, ele teria levado uma sova de prancha de facão que nem nos piores pesadelos de galpão. Levou uns empurrões, tropeçou, levantou, fugiu tropeçando nas próprias pernas... mas sumiu.
Muitos riram e justificaram:
— Mas também... se a gente não conhecesse o Baitaca!
E por muitos anos ele seguiu firme na versão dele, jurando de pés juntos:
— Junta de boi é isso aí! Tá nos livros dos veterinários, se duvidar!