Nos anos cinquenta, Alcides, recém-saído da adolescência, conseguiu um emprego de enfermeiro no pequeno hospital da vila. O local não passava de um precário prédio de madeira, coberto com taboinhas e rangendo ao menor vento. O único médico da região mal dava conta de atender as dezenas de casos que chegavam diariamente, e o aprendiz de enfermeiro se tornou peça-chave nos atendimentos, auxiliando na troca de curativos, em partos apressados e em todo tipo de emergência.
Falastrão e cheio de si, Alcides adorava se gabar entre os amigos da vila. Sempre que o elogiavam por suas habilidades, ele respondia, em tom professoral:
— Só não sou médico porque me falta o último livro!
A frase virou motivo de piada entre os amigos, especialmente para a turma dos Carunchos – dois irmãos, Peri e mais alguns gaiatos da época. Depois de ouvir tantas vezes a desculpa do “último livro”, resolveram pregar uma peça no enfermeiro metido a doutor.
O plano foi engenhoso. Escolheram o mais gordinho da turma para se vestir de mulher e o deitaram no velho hotel Bighelini, num quarto mal iluminado, com paredes manchadas de umidade e cheiro de querosene no ar. A energia elétrica ainda não havia chegado à vila, e a única fonte de luz era uma velinha trêmula, espetada num pires. O ambiente perfeito para um “parto de emergência”.
Chamaram Alcides às pressas, dizendo que uma pobre mulher estava em trabalho de parto e precisava de ajuda imediata. O “doutor” chegou sério, compenetrado. Pediu que todos saíssem do quarto para preservar a decência da “paciente” e, cerimoniosamente, lavou as mãos numa bacia de água morna.
Os gaiatos, escondidos do lado de fora, mal se aguentavam de rir, tapando a boca para não estragar a brincadeira.
Lá dentro, Alcides começou o atendimento, falando consigo mesmo, concentrado, como se estivesse em plena sala de cirurgia. Mexeu daqui, puxou dali, fingiu analisar a “dilatação” e, depois de uns cinco minutos, anunciou em tom triunfal:
— Fiquem tranquilos! Já consegui pegar na perninha do neném!
O quarto explodiu em gargalhadas! A turma invadiu o cômodo, o falso paciente pulou da cama e Alcides, confuso, demorou um instante para entender que tinha caído direitinho na pegadinha. Entre tapas nas costas e piadas, ele só conseguiu resmungar um “mas que diabos...” antes de ser tomado pela gozação geral.
E foi assim que terminou, de uma vez por todas, a história do “último livro” de Alcides.