Houve um tempo em que fevereiro chegava fazendo barulho. E não era o barulho da televisão ligada transmitindo os desfiles do Rio ou de São Paulo. Antes disso, muito antes, o carnaval acontecia aqui mesmo, no coração das nossas pequenas cidades. Os anos 80 e 90 foram, talvez, o auge da folia na região. Eram tempos em que a fantasia saía do armário junto com a disposição — e olha que disposição não faltava.
Sem a concorrência dos desfiles na TV, que mais tarde acabariam por levar o carnaval para dentro das casas e dos sofás, a festa acontecia onde tinha que acontecer: nas ruas, nos salões, nos clubes. E como acontecia! Grupos de amigos, famílias inteiras, associações, vizinhos... todos se organizavam em blocos e charangas. Bastava uma bateria improvisada, algumas fantasias coloridas e pronto: estava garantida a alegria dos festejos.
Na região Celeiro, existiu quase um circuito oficial de carnaval. Três Passos, por exemplo, foi pioneira no carnaval de rua, reunindo blocos vindos de Campo Novo, Tenente Portela, Crissiumal e Braga. Era gente que não acabava mais, desfilando entre confetes e serpentinas, ao som das marchinhas que pareciam nunca envelhecer. E, quando a festa terminava ali, os mais animados seguiam para cidades maiores, como Ijuí, esticando a folia até onde a energia permitisse.
As músicas? Ah, aquelas músicas! Eram sempre as mesmas, ano após ano. Mas quem se importava? "Mamãe Eu Quero", "Olha a Cabeleira do Zezé", "Allah-la-ô"... cada uma repetida incontáveis vezes numa única noite, como se o refrão fosse um feitiço contra a tristeza. E funcionava.
Os blocos também tinham seus próprios encantos e histórias. Alguns nomes sobreviveram ao tempo, como o lendário B.T.L. — Bafo de Tigre Louco, que desfilava com ares de deboche e criatividade. Ou "O Chegança", que teve a ousadia de se autoproclamar Escola de Samba, num misto de coragem e bom humor que só o carnaval permite. Ainda havia "Os Cangaceiros", "Os Foliões do Sinai", "Sinal da Cruz" e tantos outros que hoje vivem apenas na memória dos que dançaram atrás de suas alas. Alguns duraram apenas um carnaval, outros resistiram bravamente por anos, como quem sabe que a alegria também precisa de resistência.
Mas, como tudo que é bom e aparentemente infinito, o carnaval foi perdendo força. Foi sumindo devagar, sem alarde, como confete que sobra no canto da calçada depois da chuva. Vieram as mudanças culturais, as novas formas de entretenimento, a facilidade para viajar e buscar festas maiores, mais produzidas, em outras cidades. Talvez tenha faltado incentivo. Ou talvez as pessoas tenham mudado mesmo. O fato é que, hoje, basta caminhar pelas ruas numa segunda-feira de carnaval para sentir o silêncio. Um silêncio que chega a fazer barulho de tão estranho, de tão contrário ao que já foi.
Para os saudosistas, restam as histórias contadas em mesas de bar e rodas de chimarrão. Restam as fotos amareladas, as fantasias guardadas no fundo do armário, e essa saudade bonita de um tempo em que a alegria parecia não ter hora para acabar.
O carnaval pode até ter mudado, mas, para quem teve o privilégio de viver aqueles dias, a folia continua guardada num canto bom da memória. E vez ou outra, basta tocar a primeira nota de uma marchinha qualquer para que tudo volte a acontecer. Nem que seja só por dentro.