O cinema da dona Lurdes foi, por muitos anos, a principal fonte de lazer e diversão da cidade. Era lá que desfilavam aqueles clássicos inesquecíveis, e a gurizada sabia de cor e salteado o nome dos astros e estrelas. Sophia Loren, Gina Lollobrigida e Ingrid Bergman eram tão populares entre o povo da cidade que, se bobear, eram mais comentadas do que os galãs e mocinhas das novelas da Globo hoje em dia.
Nos tempos do Ginásio Aurélio Porto, não era raro a moçada escapar de uma aula e acabar numa sessão do cinema, mascando pastilhas de chiclete e jogando conversa fora antes do filme começar. Mas ninguém, absolutamente ninguém, causava tanto furor na plateia quanto o Neri.
O sujeito tinha uma tradição peculiar: assim que o suspense do filme atingia seu ápice, ele soltava um arroto monumental, capaz de ecoar pela sala escura e provocar uma mistura de gargalhadas e indignação. Para alguns, era uma palhaçada impagável; para outros, uma afronta ao sagrado momento cinematográfico. A dona Lurdes, claro, sabia muito bem quem era o infeliz responsável pelo tumulto, mas nunca conseguia pegá-lo no flagra.
Até que, numa fatídica quarta-feira, ela jurou para si mesma que aquele dia seria diferente. Assim que viu o Neri entrando na sala, pôs-se a postos. O próprio Neri, desconfiado, percebeu que a patroa do cinema estava alerta e resolveu inovar. Engatinhando sorrateiramente entre as cadeiras como um verdadeiro agente secreto do deboche, posicionou-se atrás de um espectador desavisado. Com todo o requinte de um mestre na arte da molecagem, caprichou e soltou um arroto daqueles, digno de estremecer os alicerces do prédio.
Dona Lurdes, que já estava de prontidão, detectou a origem do estrondo e, sem titubear, marchou até o suspeito. No escuro, agarrou o infeliz pelo colarinho e esbravejou:
— Te peguei, seu sem-vergonha! A partir de hoje, tu não entra mais no meu cinema, seu porco!
No meio da balburdia, as luzes foram acesas, revelando uma cena inesperada: o pobre coitado que levava a bronca não era o Neri, mas um viajante que, por obra do destino, decidira passar algumas horas no cinema para matar o tempo antes de seguir viagem. O homem, atônito, piscava sem entender o que diabos tinha acontecido.
Enquanto isso, umas oito ou dez filas à frente, o verdadeiro culpado rolava de rir, segurando a barriga e quase se engasgando com o chiclete. E, mais uma vez, o Neri saía impune, para desespero da dona Lurdes e diversão da plateia.