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E o louro foi para o espaço

história de uma caçada para ninguém duvidar

Por: Jalmo Fornari
23/12/2024 às 11h16
E o louro foi para o espaço

Caçar e pescar, como já mencionamos em outras histórias, era mesmo com o seu Vitório. Sempre que suas funções públicas permitiam, ele reunia alguns amigos ou, na ausência destes, seus filhos, e partia para acampar nos matos ou montar esperas na beira de algum rio. Certo dia, aproveitando as férias escolares dos meninos, ele levou Nirti e Mirton para uma caçada. Era uma ocasião especial, planejada há tempos, com o objetivo de ensinar suas técnicas aos herdeiros.

Seu Vitório queria revelar alguns segredos básicos adquiridos com a prática. Chegando ao local escolhido, montaram o acampamento e, cuidadosamente, armaram a barraca, organizaram as munições e carregaram as espingardas para o dia seguinte. Já tarde, prepararam um arroz de carreteiro na panela de ferro suspensa na trempe. O jantar, servido “à vontade”, antecedeu a sessão de histórias e causos que o seu Vitório contava para embalar os filhos até adormecerem. No dia seguinte, seria a oportunidade ideal para os meninos aprenderem as técnicas do pai.

Mal a aurora rompeu, já estavam todos de pé. Com muita cerimônia e quase em sussurros, o pai transmitiu as regras básicas da caça: regra um, nunca fazer barulho; regra dois, sempre levar munição seca e suficiente; regra três, saber imitar o som dos pássaros; e assim por diante. Após um café rápido, saíram para a caça, onde colocariam as orientações em prática.

Depois de caminharem cerca de 150 metros, na cerração que ainda se dissipava, depararam-se com uma árvore arqueada pelo peso de centenas de pássaros enormes. Seu Vitório, com um gesto de silêncio absoluto, levou o dedo aos lábios, pegou a carabina e, em movimentos lentos, preparou-se para o disparo. Contudo, ao engatilhar a arma, o ruído típico ecoou, e isso bastou para que os pássaros, assustados, alçassem voo. O som ensurdecedor e o bater das asas levantaram uma nuvem de folhas secas, cobrindo o chão.

— Isso é reflexo condicionado! — vaticinou o seu Vitório, decepcionado, mas ainda em tom professoral. Ele explicou aos filhos que os pássaros haviam se habituado aos sons das armas, devido à constante presença de caçadores na região.

O dia foi de caça fraca, mas repleto de conversas e lembranças sobre os colossais pássaros vistos ao amanhecer. Determinado, o seu Vitório não se deu por vencido e garantiu aos filhos que tinha uma maneira infalível de capturar aquele “bicharedo”. No final da tarde, antes do retorno das aves ao poleiro noturno, Nirti e Mirton, seguindo a orientação do pai, subiram na imensa árvore e passaram cola nos galhos, utilizando uma antiga receita de família. Em seguida, voltaram ao acampamento, ansiosos pela manhã seguinte.

A ansiedade quase não os deixou dormir. Ao amanhecer, armados com carabinas, os três caçadores se dirigiram à árvore, menos preocupados com barulhos. Sob a copa, engatilharam as armas e começaram a disparar. Assim que o primeiro tiro foi ouvido, o bando de pássaros, em reflexo, tentou alçar voo. Contudo, presos pela cola, ocorreu o inimaginável.

Uma nuvem de folhas, galhos secos e detritos tomou o ar. Nirti, um guri magro e baixinho, estava assustado e quase desesperado, com seus 9 anos agarrou-se  com mãos, braços e pernas em um pé de “guavirova” que também chacoalhava com o tufão. Mirton, que devia ter uns 11 anos naqueles tempos, largou a arma, que foi engolida pelo redemoinho de vento, e se prendeu a uma das pernas do pai. Só o seu Vitório, com os cabelos esvoaçantes, permaneceu em pé firme, embora precisasse fechar os olhos por causa da poeira. Após alguns minutos, o tufão diminuiu, e, aos poucos, compreenderam o que havia acontecido.

A cola, feita com a velha receita de família, manteve as aves presas aos galhos. No desespero para voar, os pássaros acabaram arrancando a árvore pela raiz. Comprovaram o fato ao olharem para os céus, depois que a poeira dissipou, avistando ao longe, quase no infinito, o louro desaparecendo no horizonte. Seu Vitório e os guris juram, até hoje, que a enorme árvore foi levada para os céus, claro, com os pássaros ainda colados aos galhos.

Sempre que o seu Vitório contava essa história, ante a expressão de absoluta incredulidade dos ouvintes, ele finalizava com um tom afirmativo:

— Sei que é difícil acreditar, só estando lá mesmo prá ver que tudo isso é a mais pura verdade!

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Jalmo Fornari
Jalmo Fornari
Jalmo Fornari é diretor-proprietário do Sistema Província de Comunicação. Jornalista já atuou nos principais veículo de comunicação do Rio Grande do Sul, como as rádios Gaúcha e Guaíba. Também é advogado com pós graduação em direito previdenciário. Como político foi vereador em Tenente Portela por diversos mandatos, tendo ocupado por diversos momentos o cargo de prefeito. Nesta coluna você acompanha crônicas, textos e memórias.
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