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O Baile dos “alemão”

Sorte é que o delegado era o inquilino

Por: Jalmo Fornari
17/12/2024 às 15h21 Atualizada em 17/12/2024 às 15h32
O Baile dos “alemão”

Houve uma época em que a Delegacia de Polícia de nossa pequena localidade funcionava numa sala alugada na parte da frente da casa do seu Peri, fato que lhe proporcionava certa conivência da lei com suas atitudes, às vezes não muito ordeiras, além de lhe garantir grande autoridade na vila.

Como sempre fazia nos fins de semana, Peri e alguns amigos resolveram se divertir em um baile na região. Naqueles tempos, havia muitos salões de baile, inclusive alguns com piso de molas, algo que não existe mais. O baile escolhido era um que acontecia numa região de colonização alemã, para os lados de Gamelinhas, e era realizado no Salão Fritz.

Mal chegou ao local, o nosso “herói” exigiu entrada franca, protegido pelo fato de alugar parte da casa para as autoridades. Claro que os promotores do evento não deram a mínima para seus argumentos, o que foi suficiente para dar início a uma bagunça na portaria. Gritos e xingamentos começaram a ser ouvidos de todos os lados. O Peri ameaçou cagar no salão se não o deixassem entrar. Foi o suficiente para entornar o caldo. O Shepa saiu com esta: É moreno é que ditar regras! Foi o estopim.

De um lado, Peri e os amigos – alguns deles morenos – acusavam os organizadores do evento de discriminação racial; do outro, os organizadores trancavam o pé e tentavam expulsar os rapazes. O evento, programado para ir até o amanhecer, acabou terminando mais cedo. As famílias, para evitar confusão, começaram a deixar o local, e os organizadores decidiram encerrar o baile. Foi um prejuízo enorme: cucas e pastéis que seriam vendidos ficaram no balcão, cervejas esquentaram nas caixas de gelo, e os músicos, que tocaram apenas uma parte do baile, acabaram cobrando um cachê menor.

No dia seguinte, em dois caminhões com carrocerias lotadas, os colonos alemães foram em massa até a delegacia para registrar queixa contra a baderna provocada por Peri e seus amigos. Eram tantos reclamantes que o delegado achou melhor não abrir as portas da pequena sala. Preferiu atender os queixosos pela janela, enquanto eles permaneciam na rua. Antes de iniciar as oitivas, ele tentou ouvir o próprio Peri, seu senhorio:

— Por que diabos você acabou com o baile dos alemães, Peri?
— Eles não deixam negro entrar, e como eu sou caboclo, eu me ofendi, doutor. O senhor faria o mesmo!

O delegado, que também era caboclo e de tez morena, replicou:
— Você deveria era chamar a polícia, e não acabar com a festa desse jeito!

Lá fora, o burburinho só aumentava. De um lado, cidadãos reclamavam da invasão de seus direitos; do outro, o delegado tentava proteger o espaço de sua delegacia. Da janela, ele tentava apaziguar os ânimos, enquanto o Peri, agachado ao seu lado e fora da vista dos reclamantes, ouvia tudo.

Os alemães, falando um português atravessado, se defendiam:
— Isso é mentira! Antes dele chegar, pelo menos uns quatro morenos e três índios já estavam dentro do salão!

Foi então que Peri, sem se conter, levantou-se e gritou:
— Seu bando de mentirosos!

Desesperado, o delegado empurrou a cabeça do Peri para baixo e tentou retomar o controle da situação:
— O Peri não é um homem ruim, pessoal. O problema é que ele, como muitos de vocês, bebeu demais ontem à noite...

Peri, ofendido por ser chamado de bêbado, levantou-se novamente e retrucou:
— Mentira sua, seu delegado! Eu nem tinha bebido nada! Essa "alemoada" é que não me deixou entrar no baile porque eu sou caboclo!

Enquanto o delegado empurrava a cabeça do Peri mais uma vez, a situação continuava fora de controle. Os colonos, irredutíveis, insistiam em registrar a queixa. Sem conseguir convencer ninguém, o delegado, já cansado, decidiu abrir o jogo:
— Tudo bem, podem registrar a queixa. Eu vou instaurar dois inquéritos: um por baderna e prejuízos e outro por discriminação racial. Vai dar em nada, mas quem vai perder mesmo são vocês! Se despejarem a delegacia daqui, na próxima vez que alguém fizer baderna no baile de vocês, não vai ter para quem reclamar!

Foi o argumento que finalmente convenceu os colonos a desistirem da queixa e retomarem o caminho de Gamelinhas com seus caminhões.

Claro que, depois desse episódio, Peri e seus amigos deixaram os colonos realizarem seus bailes em paz – pelo menos por um bom tempo.

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Jalmo Fornari
Jalmo Fornari
Jalmo Fornari é diretor-proprietário do Sistema Província de Comunicação. Jornalista já atuou nos principais veículo de comunicação do Rio Grande do Sul, como as rádios Gaúcha e Guaíba. Também é advogado com pós graduação em direito previdenciário. Como político foi vereador em Tenente Portela por diversos mandatos, tendo ocupado por diversos momentos o cargo de prefeito. Nesta coluna você acompanha crônicas, textos e memórias.
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