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Centenário da Coluna Prestes

Síntese de uma entrevista com L.C.P.

Por: Jalmo Fornari
18/11/2024 às 15h54 Atualizada em 20/11/2024 às 13h32
Centenário da Coluna Prestes

Entrevista com Luís Carlos Prestes

A entrevista a seguir é inédita, nunca publicada em jornal, site ou documentário. Ela foi concedida ao jornalista Jalmo Fornari e às professoras Fátima Rosa Lopes e Heloísa Barreto Ghelen, na época coordenadoras da Casa de Cultura de Tenente Portela. A conversa ocorreu na tarde de 2 de janeiro de 1988, em Porto Alegre, nas dependências do Hotel Embaixador, véspera do aniversário de 90 anos de Luís Carlos Prestes.

A entrevista, previamente agendada com os promotores do evento comemorativo, também contou com a presença do advogado Antônio Pinheiro Machado Netto, amigo próximo de Prestes.

Realizamos a transcrição “ipsis litteris”, tal como registrado nas fitas K7, incluindo detalhes sobre o local e o lado do cartucho.


Fita 01 – Lado A

J.F. (Jalmo Fornari): Capitão Prestes, qual a primeira coisa que lhe vem à memória quando alguém lhe procura, como nós hoje, tentando saber algo sobre Tenente Portela?

L.C.P. (Luís Carlos Prestes): Bem, companheiros, eu tinha uma amizade quase como de irmão com o Portela, ou “Portelinha”, como nós o chamávamos. Ele era baixo, mais ou menos da minha altura, e foi meu aluno na Escola Militar em 1921. Naquele ano, eu era instrutor da Arma de Engenharia, e ele estava no curso de Engenharia.

J.F.: Isso ocorreu na...?

L.C.P.: Na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro. Ele era o melhor aluno da turma. Apesar de ser uma turma relativamente pequena, destacou-se pela dedicação e competência. Na época, eu já era primeiro-tenente, enquanto ele ainda era aluno.

J.F.: O senhor pediu demissão do cargo de instrutor, certo?

L.C.P.: Sim. Resolvi pedir demissão por conta das condições precárias de trabalho. Quando fui designado como auxiliar de instrutor, não havia material adequado para a formação em engenharia. Apenas em agosto daquele ano recebi uma pequena parte dos materiais que havia solicitado.


Observação

Prestes ressalta a precariedade estrutural das instituições de ensino militar da época, algo que influenciou sua decisão de pedir demissão, revelando sua postura ética.


J.F.: Isso aconteceu no Realengo?

L.C.P.: Sim, tudo no Rio de Janeiro. Mas mesmo com os problemas, os alunos me pediram para permanecer até o exame final. No entanto, a falta de condições era insustentável. Por isso, fui demitido em 1922 e retornei para minha companhia ferroviária em Deodoro.

J.F.: Em julho de 1922 ocorreu o levante tenentista. O senhor participou?

L.C.P.: Não. Estava doente com febre tifoide na época. Por isso, não puderam me condenar, mas me transferiram para o Rio Grande do Sul como Fiscal da Comissão de Quartéis.


Contexto Histórico

O levante tenentista de 1922 marcou o início de um movimento político-militar que buscava reformas sociais e políticas no Brasil, culminando no movimento de 1930. Prestes, embora ausente no levante de 1922, tornou-se uma figura central nos anos seguintes.


L.C.P.: Durante essa transferência, fui enviado para fiscalizar a construção de quartéis em Santo Ângelo, Santiago do Boqueirão e São Nicolau. Foi lá que reencontrei Portelinha, que já era segundo-tenente no Primeiro Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo.

J.F.: Ele era um excepcional aluno, não?

L.C.P.: Sem dúvida. Ele sempre teve muitas iniciativas. Por exemplo, participou ativamente da construção do Monumento aos Heróis da Laguna, que foi colocado na Praça da Praia Vermelha.


Observação

Esse episódio ilustra o comprometimento de Mário Portela Fagundes, colega de Prestes, com a memória histórica e sua habilidade como líder militar e comunitário.


J.F.: Politicamente, Portela era progressista ou conservador?

L.C.P.: Ele tinha uma postura progressista e inspirava os soldados com discursos marcantes. Em 14 de julho de 1923, por exemplo, fez um discurso para a tropa sobre a Queda da Bastilha, relacionando-a ao contexto político do Brasil.

J.F.: Foi ele quem impulsionou o movimento tenentista no Sul?

L.C.P.: Sim, conspirávamos juntos. Ele era muito ativo. O próprio Juarez Távora nos visitou em nosso acampamento durante a construção de uma ponte no Rio Comandaí.


Observação

A referência a Juarez Távora reforça a conexão de Prestes com os líderes do movimento tenentista, destacando a organização e articulação do movimento em diferentes regiões do Brasil.


J.F.: Como o senhor descreve sua relação com os soldados do batalhão?

L.C.P.: Era uma tropa excelente, composta por jovens descendentes de italianos e alemães da região de Passo Fundo. Em 1923, não precisei punir nenhum soldado durante o ano inteiro, o que demonstra o grau de disciplina e camaradagem que tínhamos.

Entrevista com Luís Carlos Prestes - Lado B da Fita K7

Data: 2 de janeiro de 1988
Local: Hotel Embaixador, Porto Alegre
Entrevistadores: Jalmo Fornari, Professora Fátima Rosa Lopes e Professora Heloísa Barreto Ghelen
Presença: Antônio Pinheiro Machado Neto


1. Planejamento do Levante em Santo Ângelo

L.C.P.: Em outubro de 1924, enviei mensagens telegráficas para coordenação de um possível levante. Caso não recebesse resposta, planejava iniciar o movimento sozinho, junto com o Portelinha.

J.F.: O Portelinha era seu maior aliado nesse período?

L.C.P.: Sem dúvida. Ele era meu braço direito, a pessoa de maior confiança na organização do levante. Na época, ele estava escondido, classificado como desertor, mas totalmente comprometido com a causa.


2. A Tomada do Comando em Santo Ângelo

L.C.P.: Organizei uma operação para neutralizar o comandante do batalhão local. Pedi ao Pedro Bins, um dos homens mais corajosos que conheci, que prendesse o comandante em sua própria casa. Apesar da resistência inicial, o plano foi bem-sucedido.

J.F.: E qual foi a reação de Portela ao saber da operação?

L.C.P.: Ele ficou horrorizado, achou que eu havia matado o comandante! Expliquei que isso não era necessário, e ele se acalmou. Depois, ele ajudou a organizar os soldados para o levante, ganhando a confiança deles.


3. Situação em São Luís e a Influência de Portela

L.C.P.: Após o levante em Santo Ângelo, seguimos para São Luís Gonzaga. Lá, Portelinha encontrou um cenário de desordem liderado pelo Tenente João Pedro Gay, que fazia promessas vazias e desviava recursos. Portelinha me enviou um relatório detalhado sobre a situação, demonstrando seu comprometimento com a organização e disciplina.

J.F.: Ele tinha dificuldades por não ser superior hierárquico ao Gay?

L.C.P.: Sim, mas aguardou minha chegada para retomar a ordem.


4. Retirada e Primeiros Combates

L.C.P.: A manobra mais importante foi nossa retirada estratégica de São Luís para evitar o cerco pelas forças do governo. Utilizamos marchas noturnas e conseguimos passar despercebidos entre as colunas inimigas.

J.F.: E como foi o combate na Ramada?

L.C.P.: Esse foi um dos primeiros combates da Coluna. Lutamos contra forças superiores em número e armamento, mas conseguimos resistir e avançar. Portela estava na vanguarda, abrindo caminho para as próximas etapas da marcha.


5. A Morte de Portela

J.F.: Sobre a morte de Portela, o que o senhor pode nos contar?

L.C.P.: Ele morreu em janeiro de 1925, comandando a retaguarda da coluna durante o combate no Rio Pardo, no município de Palmitinho. Era um choque inevitável, mas para mim foi um dos momentos mais difíceis da campanha. Portela era meu maior aliado, a pessoa em quem eu mais confiava.

J.F.: Quantos homens estavam com ele?

L.C.P.: Cerca de quinze a vinte. Lutaram bravamente, mas foram todos mortos.


6. Legado de Portela

J.F.: Como o senhor resumiria a importância de Tenente Portela?

L.C.P.: Portela era um patriota de enorme inteligência e iniciativa. Ele sempre acreditou que suas ações trariam benefícios ao povo brasileiro. Era um estudioso incansável e acredito que, se tivesse sobrevivido, poderia ter se tornado um revolucionário com base teórica sólida. Sua dedicação era inquestionável.


Notas Explicativas

  1. Pedro Bins: Companheiro de Prestes e figura crucial na neutralização do comandante em Santo Ângelo.
  2. Coluna Prestes: Movimento liderado por Luís Carlos Prestes, que percorreu milhares de quilômetros em resistência à República Velha no Brasil.
  3. Tenente Portela: Figura central na Coluna Prestes, cuja cidade de Tenente Portela foi batizada em sua homenagem.
  4. Rio Pardo: Local do combate em que Portela perdeu a vida, defendendo a retaguarda da Coluna.
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Jalmo Fornari
Jalmo Fornari
Jalmo Fornari é diretor-proprietário do Sistema Província de Comunicação. Jornalista já atuou nos principais veículo de comunicação do Rio Grande do Sul, como as rádios Gaúcha e Guaíba. Também é advogado com pós graduação em direito previdenciário. Como político foi vereador em Tenente Portela por diversos mandatos, tendo ocupado por diversos momentos o cargo de prefeito. Nesta coluna você acompanha crônicas, textos e memórias.
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