
Esta história aconteceu na época em que, em nosso município, os prefeitos eram nomeados, já que éramos considerados, pela ditadura militar, parte da área de segurança nacional. Eram assim classificados os municípios de fronteira e as capitais dos estados. O interventor da época, que era chamado de prefeito, mesmo sem ter recebido nenhum voto popular, era o ex-vereador Elcides Salamoni. Por razões pessoais, ele se licenciou por alguns dias e, como não havia vice-prefeito nomeado, quem assumia o cargo temporariamente nesses casos era o presidente do Legislativo, o senhor Orlando, então presidente da Câmara Municipal de Vereadores.
A licença do titular ocorreu em um período em que, devido à temporada de chuvas, as estradas do interior estavam simplesmente intransitáveis. Na verdade, isso se devia não só às chuvas, mas também à má conservação das vias. No primeiro dia de expediente do "prefeito em exercício", mais de duas dezenas de agricultores agendaram uma audiência para solicitar melhorias urgentes nas estradas. Após cerca de duas horas de repetidas e incessantes reclamações vindas de todos os cantos do município, Orlando, que sabia que pouco podia fazer devido ao estado precário do maquinário da prefeitura e à chuva incessante, começou a perceber o tamanho da enrascada em que estava.
No dia seguinte, a ladainha continuou, até que um vizinho do senhor Orlando entrou na sala e começou também a reclamar das estradas.
— Amigo prefeito! — começou, sem muita cerimônia. — As estradas que dão acesso à minha propriedade estão em estado lastimável! — E seguiu reclamando. — Você tem que dar um jeito nessa situação!
Orlando, não suportando mais tantas queixas, interrompeu o amigo:
— Mas o senhor, meu amigo, pode se considerar um homem feliz! Muito feliz!
— Feliz?! Como assim, Orlando? Se chover mais, não saio de casa!
— Pode se considerar feliz, sim! — replicou Orlando, em voz alta.
— Está brincando, seu Orlando! Imagine só! Basta chover, e se alguém precisar ser levado para um hospital, o infeliz morre na estrada!
— É FELIZ, sim, meu amigo! Porque você é meu vizinho lá em Alto Alegre! Você, mais do que ninguém, sabe que a porcaria da minha estrada está ainda muito pior que a sua. Você sim é feliz e tem sorte, porque pelo menos tem para quem reclamar. Infeliz sou eu, que só recebo reclamações e não tenho para quem falar do meu abandono.
— Faz uma semana que não consigo ir pra casa. — disse Orlando, já bem irritado. — Me faz um favor? Senta aqui nesta cadeira, vamos trocar de lugar, pois estou de saco cheio e preciso contar minha história.
O vizinho, desconcertado, pegou o guarda-chuva e o chapéu e saiu sem se despedir do amigo.