Neste ano, o Levante de Santo Ângelo, que deu origem à Coluna Prestes, completa 100 anos, um marco histórico no Brasil do século passado. Para celebrar essa data, nossa redação traz uma entrevista exclusiva gravada em 1988, na qual Luiz Carlos Prestes, o icônico líder revolucionário, compartilha suas memórias sobre o movimento e o papel crucial de Tenente Portela no início da revolução. A entrevista, que por décadas permaneceu inédita, foi divulgada no livro Notas e Contrastes de Tenente Portela, do jornalista Jalmo Fornari.
Gravada em 2 de janeiro de 1988, no Hotel Embaixador, em Porto Alegre, a conversa foi conduzida pelo jornalista Jalmo Fornari e pelas professoras Fátima Rosa Lopes e Heloísa Barreto Ghelen, então coordenadoras da Casa de Cultura de Tenente Portela. A ocasião, que antecedia o aniversário de 90 anos de Prestes, também contou com a presença do advogado e amigo de longa data do capitão, Antônio Pinheiro Machado Netto. A transcrição a seguir foi realizada “ipsis litteris” a partir das fitas K7 que registraram este valioso momento histórico.
J.F (JALMO FORNARI). – Bom, 02 de janeiro de 1988 nós estamos com o Capitão Luís Carlos Prestes, para falarmos sobre o Tenente Mário Fagundes Portela. e através dele tentamos resgatar alguns dados sobre o homem que dá o nome para o município de Tenente Portela.
J.F. – Capitão Prestes, qual a 1ª coisa que lhe vem na memória quando se fala ou quando alguém lhe procura como nós hoje, tentando saber alguma coisa de Tenente Portela?
L.C.P. (LUÍZ CARLOS PRESTES) - Bem companheiros. Eu tenho uma amizade quase como de irmão com o Portela, o “Portelinha” como nós chamamos. Ele era baixo mais ou menos a minha altura. Ele foi meu aluno na Escola Militar no ano de 21. Durante o ano de 21 eu fui instrutor da Arma de Engenharia lá na Escola Militar e ele era aluno justamente de Engenharia.
J.F. – Isto no?
L.C.P.- – Na Escola Militar do Realengo no Rio de Janeiro. Era o melhor aluno da turma. Era uma turma relativamente pequena e ele um dos melhores alunos da turma. Fizemos uma grande amizade entre nós. Eu já era 1º Tenente e ele era aluno ainda.
J.F. – Em 21?
L.C.P.- – Eu saí, deixei este cargo por vontade própria porque quando fui nomeado, designado para auxiliar de instrutor havia um capitão do exército. – Eu pedi material porque não havia material nenhum para instrução. Só no mês de agosto que me entregaram uma pequena parcela do que havia pedido de material.
J.F. – Isto no Rio de Janeiro? Ou já em Santo Ângelo?
L.C.P.- – Isto no Rio de Janeiro. Não tudo no Rio de Janeiro no Realengo. De maneira que eu resolvi pedir demissão porque eu não podia ficar enganando ao povo que estivesse formando oficiais de engenharia se não tinha material necessário para isto. Mas foram os próprios alunos 181 que me pediram para que eu não saísse e ficasse pelo menos até o exame deles mas já se isto alternava o Tenente que era chefe da secção de Engenharia tinha sido promovido a capitão e tinha sido afastado portanto.
De maneira que eu fiquei como chefe da secção. Era o início oficial da secção de engenharia. Era um absurdo até o número de assuntos que tinha que se discutir. Era tudo sobre Engenharia: telefonia, telegrafia, telégrafo sem fio, fotografia, abrir trincheiras fazer tudo que tinha, pontes de campanha. Tudo sobre cima de mim mas o Portela me ajudava muito. Ele era o melhor aluno da turma sempre me ajudou muito.
J.F. – Além do aluno era um amigo?
L.C.P.- Era um Amigo e já formou-se uma corrente de confiança mutua entre nós dois.
Isto foi no ano de 21. No final e início de 22 atenderam o meu pedido e eu fui demitido e voltei para a minha companhia ferroviária em Deodoro, isto foi no ano de 22.
No ano de 22 tem aquele levante de 05 de julho, eu não participei dele porque estava doente febre tífica118. Estive de cama. Não pude participar mas fui castigado porque não me pegaram de armas na mão, não puderam me condenar. Mas me transferiram para o Rio Grande – Fiscal da Comissão de Quartéis no Rio Grande.
Fui fiscalizar a construção de quartéis em Santo Ângelo, Santiago do Boqueirão e São Nicolau todas três cidades que havia quartéis que eu tinha que fiscalizar. E o Portelinha tinha sido classificado para o 1º Batalhão Ferroviário em Santo Ângelo. Ele já era Tenente lá em Santo Ângelo, 2º Tenente em Santo Ângelo.
J.F. – A informação é que Portela era excepcional aluno? Inclusive os poucos dados levantados...
L.C.P.- Primeiro aluno da turma. Era o melhor aluno, tinha muitas iniciativas, ele tomou a iniciativa da Construção do Monumento aos Heróis da Laguna.
J.F. – Uma iniciativa do Tenente Portela?
L.C.P.- – Ele participou da Comissão que tomou esta iniciativa e ele foi um dos mais ativos na luta pela montagem para que este monumento fosse feito e foi colocado lá na Praça na Praia Vermelha.
De maneira que eu não conheço nada da origem pessoal, sabia somente que ele era de Pelotas e que estudou e se formou fez o curso secundário lá em Pelotas.
J.F. – E ele era órfão? Família Numerosa? Depois mais tarde eu cheguei a conhecer alguns irmãos dele. Tem um que mora aqui em Porto Alegre.
Tem um que mora aqui. É natural de Pelotas e está residindo hoje aí. O nome dele era Mário Portela Fagundes. Esse é que era o nome Mário Portela Fagundes.
L.C.P.-. – Bom, isto em 22. Eu tive esse contato com ele depois eu também era Fiscal da Comissão de Quartéis. Aquilo era uma roubalheira eu fui protestando, protestando embargando as obras, assim logo que eu fui nomeado eu perguntei ao Chefe da Comissão o que é que eu ia fiscalizar? Se era o meu cargo. Então ele me disse que a documentação estava toda em Santo Ângelo.
Eu tomei o trem e vim pra aqui cheguei não tinha documentação nenhuma. Mas como era conspirador eu aproveitei para percorrer o estado. Eu saí de Santo Ângelo, passei em Cruz Alta num regimento que tinha lá, depois Santa Maria, depois passei lá onde tinham as obras do Arsenal naquela cidade ali perto de Porto Alegre – General Câmara? Em não, Triunfo? Não, é outra mais pra cá um pouco. Estavam construindo um arsenal. Depois estive em 183 Porto Alegre.
Pinheiro Machado – Tem outro nome então?
L.C.P.- – É tem outro nome... E daqui a pouco eu me lembro. Fui a Pelotas, Pelotas passei em Bagé, São Gabriel e voltei a Santo Ângelo.
J.F. – Até então não tinha chegado os documentos?
L.C.P.-– Eu tomei o trem e fui ao Rio. Avisei ao chefe que não havia documentos.
J.F. – Isto foi em 22, 23?
L.C.P.- Daí já estava começando talvez a Revolução.
Em outubro de 22 e foi assim quando voltei ao Rio em princípio de 23 o chefe não sabia de nada mesmo. Então deixei na mão dele já mesmo o meu pedido de demissão.
Eu pedi a demissão daí não podia fiscalizar. Mas como militar tive que voltar a Santo Ângelo para esperar em Santo Ângelo que era a sede da minha fiscalização. Eu me dava muito bem com “Rosa” que era o Alexandre Rosa que era o engenheiro da Companhia Construções de Santos e daí fui embargando as obras, afinal me demitiram. Eu tinha pedido demissão, eu fui demitido por necessidade de serviço. E apresentado para o Batalhão Ferroviário aí encontrei o Portela.
J.F. – Novamente?
L.C.P.- Estávamos no Batalhão Ferroviário em Santo Ângelo.
J.F. – Qual era o cargo que ele exercia?
L.C.P.- Não, ele era tenente, comandava uma Companhia. Naquela época não tinha capitães quase, a oficialidade muito pequena, muito poucos oficiais e ele como tenente era o mais ativo no comando do batalhão. Aí que se estreitou ainda mais a nossa amizade e a minha admiração
por ele, pela sua atividade, pela sua iniciativa que tomava.
J.F. – Politicamente Portela era progressista? Ou era um conservador? Como era a posição dele?
L.C.P.- Ele é quem dava ordens aos outros oficiais porque eu não fazia nada. Então ele aproveitava (sic) ele mesmo que dava instruções de ordem unida e de Educação física a todo o batalhão. Ele dava pra todo o batalhão e no dia 14 de julho de 23 ele fez um discurso lá pros soldados sobre a Queda da Bastilha.
J.F. – Ano de 24? Julho já foi o ano de 24?
L.C.P.- Sim! 05 de julho já tinha se levantado São Paulo. Em São Paulo fizeram o levante tenentista e ele então no dia 24 de julho ele fez um discurso para os soldados dizendo que nós também íamos ter o nosso levante em julho.
J.F. ...É ele quase quem teve a iniciativa junto ao movimento político do tenentismo?
L.C.P.- É, ele conspirava junto... Conspirava junto comigo, que eu era conspirador e eu estava ligado aos companheiros de São Paulo...
J.F. Sim!
L.C.P.- O Juarez Távora mesmo nos visitou no meu acampamento, a minha companhia. Eu comandei uma companhia que não estava em Santo Ângelo – estava a 20 km de Santo Ângelo construindo uma ponte no Rio Comandaí. Nós construímos lá a ponte no Rio Comandaí e aí comandei duzentos homens. A minha companhia tinha 200 homens. Foi uma época pra mim muito alegre eu me lembro sempre com muito boas recordações. Era uma soldadesca muito boa, jovens daí Passo Fundo desta zona descendentes de italianos e alemães e eu ainda me lembro que quando terminou o ano de 23 que eu li a tropa eu sei que não foi necessário castigar nenhum soldado. Durante o ano todo de 23 não foi necessário punir um soldado.185
J.F. – O seu cargo do exército o senhor era capitão? Era capitão desde 23?
L.C.P.- Bom... era uma época e o Portela me ajudava muito aí mas em 24 ele fez esta palestra e foi designado pelo comandante para ir a Porto Alegre receber os vencimentos dos soldados. Receber o dinheiro, o soldo dos soldados.
J.F. – O soldo da Companhia...
L.C.P.- Isto! Então houve um cabo que fez uma indisciplina e neste interim já tinha chegado com o comandante o major Eduardo Sá Siqueira Nunes enviado pelo Bernardes particularmente para nos perseguir. (...)
Ele reuniu a oficialidade. Eu era chefe da secção de construção.
Portelinha estava construindo a linha férrea lá para a Argentina lá para Porto Lucena e eu então aí fiz um relatório e a proposta de trabalho para ver como é que devia prosseguir o trabalho. E ele tomou decisões diametralmente opostas ao que eu tinha proposto. Eu verifiquei que era uma provocação, de propósito. Tomei de prudência eu saí dali da reunião mesmo ostensivamente. Fui na casa na hora e bati um pedido de licença para tratamento de saúde. (Risos) Pedi. Porque assim eu fugia do comando dele.
J.F. Claro!
L.C.P.-. Me deram licença. Tirei seis meses para tratamento de saúde. Bom isto foi em abril de 24. O Portela fez este discurso pouco depois este cabo estava na reunião foi preso e falou. O tenente fez perguntas a ele e entre isso e informou que Portela tinha falado.
O comandante mandou um telegrama imediatamente a Porto Alegre para que o Portela se recolhesse ao quartel.
J.F.- O Senhor chegou a escutar este discurso. O Senhor estava presente?
L.C.P.- Não, não estava presente. Soube disto depois quando o comandante tomou as medidas porque eu tinha ligações com os sargentos dentro dos quartéis. Estava com licença para tratamento de saúde. E não podia entrar no quartel – medida do comandante a não ser acompanhado pelo comandante da guarda. Ele sabia que eu era conspirador. Quando eu soube disso me informaram que tinha ido um telegrama para Porto Alegre determinado a Portela que recolhesse ao quartel. Daí eu peguei uma pessoa da minha confiança mandei a Santa Maria para esperar o Portela quando ele passasse de trem para Santo Ângelo dizendo a ele que não se apresentasse. E eu arranjei uma casa para metê-lo lá em Santo Ângelo. Então ele passou a desertor. Compreende?
J.F. _Neste momento já ele tinha em torno de que idade?
L.C.P.- Não, eu não me lembro a idade dele. Ele era um rapaz, já tinha mais de 24, 25 anos. Cerca talvez de 30 anos um pouco antes. Eu não me lembro nem de qual é a data de nascimento dele. Ele teve uma vida muito acidentada antes. Ele estudou o ensino secundário lá em Pelotas. Ele fazia referência a um colégio agrícola. Escola Agrícola. Mas depois disto ele teve outras tentativas em Escolas Politécnicas ou coisa assim e não foi feliz e não conseguiu, afinal se apresentou-se na Escola Militar e entrou. E sentou praça na escola Militar.
J.F. - E na recepção de Portela que ia a Santo Ângelo e que de Santa Maria o senhor mandou?
L.C.P.- Mandei, e aí ele veio a Santo Ângelo ainda corajoso...
J.F. - Ele seria preso em Santo Ângelo?
L.C.P.- Tomou um automóvel na estação de Santo Ângelo. Não, não foi preso. Daí o comandante pensava que 187
ele se apresentasse pra depois prendê-lo.
Ele ainda entregou toda a documentação que ele tinha. Entregou ali na porta batalhão mesmo e foi pra casa que eu tinha indicado.
J.F. - Já em Santo Ângelo mesmo?
L.C.P.- É... ficou escondido lá, eu vou contar outros episódios dele.
J.F. - Sim. Então vamos lá...
L.C.P.- Ficou lá escondido nós conspirando. Nós estávamos conspirando. Havia o levante de S. Paulo. O pessoal veio aí para o Paraná e nós resolvemos intensificar a conspiração em solidariedade aos companheiros de S. Paulo e nessa intensificação eu ainda consegui a 28 de setembro inaugurar a luz elétrica de Santo Ângelo que eu fui trabalhar numa empresa civil. Acampei em pleno mês de julho. Fiquei acampado lá, linha que vinha de Ijuí. Eu trazia esta energia elétrica de Ijuí. Eu tinha contratado com o Alexandre era somente instalar a rede na cidade, urbana. Mas a linha não avançava. Então ele me convidou para irmos juntos. Chegando lá o 1 poste ainda não estava levantado. Foi quando eu me ofereci a ele eu boto isto em movimento rapidamente e ele ficou admirado de eu capitão do Exército aceitar, acampar, deitar numa barraca e fui e fiz a linha. E no dia 28 de setembro inauguramos a energia elétrica.
Passei o inverno todo acampado ali. Havia dias em que não podia nem acender um fogo de tamanha chuva e frio, mas a juventude vence estas coisas. Inauguramos e no dia marcamos para a noite do dia 28 pra 29 de outubro o levante em Santo Ângelo e tomamos medida de organização eu e ele tomamos medidas. Ele foi que redigiu o 1º projeto de documento que nós lançamos a população de Santo Ângelo. Este documento consta no livro de Abguar Bastos. Vocês conhecem este livro?
J.F.- Não... (Posteriormente adquirimos um exemplar do livro)
L.C.P.- Prestes e a Revolução Social no Brasil. Este livro se esgotou rapidamente e nós conseguimos agora que o Abguar tirasse uma outra edição. Mas também é muito pequena já desapareceram também. Eu posso arranjar ainda algum volume porque neste livro está o manifesto cuja primeira formulação foi de Portela.
J.F. - Ele teria redigido este manifesto do levante já em Santo Ângelo. Isto que ele falou é fantástico este livro seria muito interessante!
.L.C.P.-- Aquele livro do Abguar - Prestes e a Revolução Social no Brasil119.
J.F. - Qual é a editora?
L.C.P.-.- Não recebeu nenhum? Já está esgotado. Teve uma edição muito pequena. Ele fez uma edição muito pequena. Mas eu vou ver se arranjo um, vou te mandar.
J.F.- Eu gostaria muito ...
L.C.P.- É um manifesto que fala até de imperialismo contra as colônias, imperialismo querendo dominar o Brasil.
J.F. -Redigido numa 1ª mão pelo Tenente Portela?
L.C.P.- Ele deu geralmente as primeiras ideias depois eu modifiquei algumas coisas.
J.F. - Em que clima que acontecia este pré-levante esta pré-insurreição em Santo Ângelo?
L.C.P.- Uma perseguição muito grande do comandante e ele começou a prender uma porção de oficiais, Capitão “Bitin” por exemplo – Um homem que fazia a questão de mostrar que era calmo. Ele recebia telegrama da família
119 Prestes e a Revolução Social por Abguar Bastos editora Hucitec.189
mostrar que era calmo mas o comandante irritou tanto a ele que ele disse uns desaforos para o comandante e foi preso prá Porto Alegre. Foi mandado preso – Capitão Bitin era o nome de família dele era Bitin. Era um tipo interessante, um tipo meio fechadão, era capitão de Engenharia. no Rio botava no bolso e só abria três dias depois (risos) prá
Vivia sozinho. Ele deixou a família. Tinha o capitão que era o comandante fiscal que era meu amigo casado com uma filha de fazendeiro. O ideal para ele era estar na fazenda meio solto.
Tinha um capitão médico e tinha dois tenentes. Além do Portela tinha mais dois tenentes que tinham sido meus alunos também. Daí que eu preparei a coisa porque o erro de 22 lá no Rio é que ninguém tomou nenhuma medida de organização. Todos estavam conspirando e deixaram-se prender e não fizeram nada Costa e Silva, por exemplo, estava na Vila Militar devia ter levantado o 1º Regimento de Infantaria e deixou-se prender. Foi preso como um outro gaúcho valente que é aquele Cristiano Diniz devem ter ouvido falar. Esse era um valor mas o que ele fez foi quase uma anedota. Ele levantou o pelotão dele e levou até a porta do cassino. Estava toda a oficialidade do Regimento uns quarenta oficiais dentro do cassino e ele deixou o pelotão do lado de fora e quis bancar o “D’Artagnan”120. Entrou sozinho de pistola na mão que estavam todos presos fugiu bastante gente por todo o lado. Uns saltavam janelas, outros se meteram debaixo da mesa e o único que manteve uma posição digna foi o comandante que era o Sezefredo dos Passos. Chegou a discutir com ele. Tenente você está exaltado. -O que é isso? Estava discutindo assim. O mais covarde que estava embaixo da mesa que era o tal de capitão Melo foi comandante do navio chama-se Melo Satélite que foi no navio Satélite e levou aqueles marinheiros do levante de 1909 para lá para o Oiapoque. E matou a metade no caminho, terminou matando. E este então puxou a perna do Luís. O Luís caiu botou a cutela na boca e acabou a Revolução. De maneira que eu tomei medidas bem sérias prá se eu me confrontar com o major era eu ou ele, ele me matava ou eu matava ele. Então era evitar isso. Então em combinação com Portela, o que eu fiz, por isso eu combinei tudo com ele, ele concordou com tudo de maneira que combinamos o que é que tínhamos a fazer. Primeiro convencer o tal capitão fiscal que ele fosse prá fazenda dele porque era bom que ele descansasse uns dias lá. Ele compreendeu o que era e foi embora.
Tinham sido meus alunos. Estavam lá numa pensão. Uma pensão alemã e ali pelas 6 da tarde aproximado eu fui lá no hotel e botei os pratos na mesa – Olha vocês conhecem as minhas ideias eu hoje vou levantar o batalhão. Qual é a opinião de vocês? Ficam comigo? São contra?
J.F.- Era calcado ideologicamente no que este movimento tenentista? Não era contra o governo?
L.C.P.- Era contra o governo de Bernardes. Não era o movimento de 22.
J.F. – Mas ele tinha algum componente ideológico? Tinha alguma formulação...
L.C.P.- – Pela liberdade de imprensa; voto secreto, contra a corrupção...Mas o fundamental era contra a candidatura Bernardes e depois que ele tomou posse em 22. 15 de novembro Bernardes assumiu o governo então era contra ele.
J.F.- Já havia um cunho ideológico socialista?
L.C.P.- Nós conspiramos lá no Rio para botar ele a baixo. E nos pelo levante de S. Paulo que atrasou 20 dias. Ficou no Paraná Foz do Iguaçu era a capital deles. E aqui no Rio Grande era muito difícil o levante. As companhias do exército eram muito distantes umas das outras, Batalhão Santo Ângelo, depois tinha o 3º Regimento em S. Luís – São 100 km. De S. Luís a São Borja 120 km é o outro regimento. Depois temos mais pro sul Uruguaiana, de maneira que pra conspirar tinha-se que mandar uma pessoa, não tinha outro jeito, um mensageiro prá leva.
Os meses passavam o levante em São Paulo foi 5 de julho depois veio agosto, setembro, outubro e nada e a minha situação estava ficando cada vez mais difícil. O Comandante sabia que eu conspirava. Ele não podia me prender porque estava em licença de tratamento de saúde. Daí ele não pode me prender mas ele foi prendendo um a um.
O Paulo Kruger121 deu o fora para a Argentina e o Portela ele não prender.
O Paulo Kruger era da fiscalização de papéis. Ele estava fiscalizando os quartéis que estavam em construção em Santo Ângelo. Não tinha nada que ver com eles. Mas eles estavam já em cima do Paulo Kruger e o Paulo Kruger deu o fora, e foi para a Argentina e foi se apresentar lá em Foz do Iguaçu.
(...)
J.F.- As marcas do gaúcho, o chimarrão, o churrasco isto aí acompanhou nesta trajetória toda?
L.C.P.- O chimarrão na medida que nós encontrávamos erva , pois que depois de Mato Grosso você não encontra mais erva.
J.F.- Inventaram uma erva?
L.C.P.- Não, no sul da Bahia encontraram lá uma planta parecida e torraram logo a folha e fizeram chimarrão
no areal, atravessamos um riacho e eu até disse o Emídio estava comigo e eu disse a ele: não toma água agora. Tava um sol tremendo. Ele tomou a água daqui a pouco teve que parar não pode continuar a marcha e eu tive que ir sozinho. Fui adiante porque eu não tomei uma gota d’água. Até encontrar aí me deram este chimarrão solucionou, vocês imaginam o alívio que eu senti pois já estava cansado de marchar num areal porque a gente marcha mais prá traz do que prá frente escorregava prá traz isto no sul da Bahia que encontramos esta erva. É parecida. É da mesma família da erva-mate. e que fez efeito. Eu sei por que eu fiz uma marcha muito dura
F.R.L. (FÁTIMA ROSA LOPES) - Bom, voltando ali no Pardo contam estórias os moradores de antigamente que o Portela foi assim tomado de surpresa pela Brigada porque um soldado havia sido preso tinha voltado pra casa e daí entregou o Portela.
J F.- Ele queria voltar pra família dele um episódio mais ou menos assim e se dá o seguinte que ele teria um soldado que queria se despedir para continuar a marcha aí o ele teria exatamente sido preso pela Brigada e delatado à Brigada onde estava o acampamento da retaguarda.
L.C.P.- Não tudo isto não precisava porque a Brigada estava procurando. Vinha atrás de (...)
Não aí houve falta. O problema de terem ficado de um lado do rio sem terem atravessado logo, passado pro outro lado são dessas coisas às vezes a gente não toma cuidado acontece um desastre.
F.R.L. – E o armamento ali do Prado foi recolhido depois ou ficou tudo ali se perdendo?
L.C.P.- Não, ali perdemos tudo.
FRL.- E era muito a arma que tinha ali que estava com Portela?
L.C.P.- Não tinha armamento. Cada um deles tinha o seu fuzil.
J.F. - O Portela não é missioneiro, me parece nem o senhor é missioneiro?
L.C.P.- Não, que o Portela era de Pelotas e eu de Porto Alegre. Mas no início da marcha o chimarrão, a música gaúcha, o churrasco fazia parte do costume? Ah fazia.
J.F. - O Portela principalmente tinha uma preferência?
L.C.P.- Gostava do mate? Todos tomávamos mate. Era nossa bebida e era o churrasco a carne que comíamos. Era mais rápido para fazer mais fácil. Mais tarde é que nós tínhamos o abastecimento das colunas foi pouco a pouco se traçando de acordo com as regras aqui do Rio Grande. Isto que nós obtivemos um avanço muito grande sobre as forças de São Paulo.
Quando nós chegamos nas colunas de São Paulo ainda faziam comida por receber comida e depois aquilo por mais bem lavado que seja fica um cheiro horrível, quando nós na coluna tínhamos o fogão cada grupo de 6, 7, 8 pessoas formava um fogão que era completamente independente. O comando só fornecia carne, carneava dava um pedaço de carne para cada um, cada fogão recebia aquela quantidade e ele que se virasse. Então cada um fazia a comida que entendia. Alguns faziam até picadinho, outros faziam bifes, outros faziam eu que não chegava no acampamento estava marchando em geral a região não estava infestada de inimigo eu organizava a coluna ela marchava, eu organizava a retaguarda com instruções, ordens dadas eu saia, eu tinha um passo muito largo, eu sou baixo mas o meu passo é 84 cm (risos) um passo normal é 75 cm.
J.F. É um passo de marcha?
L.C.P.- Meu passo era de 84 cm. Eu ia passando por toda a coluna. Então era a oportunidade que eu tinha de conversa com cada soldado. Eu sabia o nome, o apelido de todos eles, todos eles e todas as queixas eram feitas a mim...
J.F.- Exatamente ao Comandante?
L.C.P.- De maneira que eu ia solucionando, era uma espécie de juiz de paz ia solucionando os conflitos etc. e ia tocando e alcançava a vanguarda. Passava por toda a coluna e alcançava a vanguarda.
Este era o processo comum. Chegava num acampamento eu ia logo no primeiro fogão que estava funcionando e comia um pedacinho de um, comia um pedacinho de outro e já ia me deitar porque eu não sabia a hora que eu ia me levantava porque um tiro que desse eu já estava acordado. Se alguém ouvisse um tiro já sabia que havia qualquer coisa. De maneira que me levantava da cama imediatamente. Dormia no chão. Nunca fui de dormir, nunca tive cama uns tinham caminhas, tinham barracas, tinha toda a coisa bem organizada dele. Ele era bem organizado. Eu não tinha nada disso.
O meu fogão era o pior coisa que havia porque tudo que vinham pedir dava. O meu bagajeiro e o tenente de ordem reclamavam porque um vinha pedir, outro açúcar e se tivesse ali eu mandava dar. De maneira que nós depois não tínhamos nada. (risos). O pessoal reclamava disto. Eu me lembro aí nessa zona mesmo um dia chegamos, estavam sem comer mas só tinha uma farinha de milho fubá de milho azedo já, uma gordura rançosa, mas e com isto fez uma polenta fez um cozido cozinhou aquilo ficou intragável mas tinha um capitão o capitão “Delmont” que era um comilão tremendo e ele não tinha comando porque era um homem meio transtornado.
Então o Derval oferece lá para o Delmont e precisa ele comeu tudo (risos). Eu não podia nem tragar. 195
J.F.- Mas e as doenças não ocorriam muito? Se alimentando assim? Dormindo no chão? Não, na marcha assim dava uma vontade de comer grande a pessoa fazia muito esforço muito grande.
L.C.P.- Aquela marcha era muito difícil. Naquele período na marcha do Uruguai ali quando eu conseguia que lhes fizessem 6 km por dia já era uma grande coisa. Essa gente mais tarde fazia sessenta. Esse mesmo pessoal.
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