Bom Dia do Maria
O rádio ainda é um dos meios de comunicação mais eficientes e dinâmicos, especialmente em comunidades distantes, onde ele serve para tudo: informar, orientar, vender, comprar, divertir e distrair. Antigamente, ele reinava soberano nas comunidades, e em Portela não foi diferente. Com a instalação de uma emissora de amplitude modulada nos anos 70, antes mesmo do advento da televisão com má qualidade de sinal, a "Municipal" servia como sala de aula para os agricultores, orientadora para as donas de casa e diversão para crianças e adultos.
Ser comunicador nessas emissoras interioranas conferia um destaque e uma autoridade ao privilegiado "speaker". Em Portela, os primeiros locutores vieram de emissoras maiores, atraídos por um salário mais razoável do que recebiam. O primeiro locutor local foi o Vermelho. Ele era operador de uma patrola, e, em decorrência do ofício de abrir estradas, conhecia amplamente a população interiorana. Com um perfil alegre e comunicativo, declamador de versos gauchescos e integrado à comunidade, não foi difícil ser convidado para fazer um teste e assumir um horário na nova emissora. O programa de músicas gaúchas se chamava "Bom Dia Rio Grande", e o sucesso foi instantâneo.
No primeiro pleito após a estreia na profissão complementar – pois apresentava o programa das 5 da manhã às 8 e depois fazia seu turno no parque de máquinas da prefeitura –, ele se candidatou a vereador. Com um microfone nas mãos e uma patrola para abrir caminhos, não foi difícil ser um dos vereadores mais votados de Portela.
Mas, como o sonho era um degrau mais alto, ele desejava ter prestígio suficiente para ser nomeado interventor – naquela época, não havia eleições para prefeito, pois estes eram nomeados –, e começou a buscar formas de turbinar ainda mais a sua audiência.
Na rádio, trabalhava também como contínuo um menino que atendia por "Chena". Além de serviços gerais na emissora, o rapaz fazia entrega de pães na cidade, das 6 às 8 da manhã, com uma carrocinha puxada por um cavalo.
O Chena era uma figura descolada. Arteiro e criativo, justificava sua contratação pela emissora. O Vermelho viu nele a pessoa ideal para auxiliar no incremento do programa "Bom Dia Minha Terra".
Certa manhã, o Vermelho chamou o "Chena" e fez uma proposta:
-Você que anda por toda a cidade entregando pão, anote para mim alguns nomes para eu homenagear no programa! – pediu o Vermelho.
-Quanto me paga, Vermelho? – retrucou o Chena.
-Nada, guri! É tua obrigação, você não trabalha aqui também?
Contrariado, mas vendo ali uma oportunidade para dar uma lição no Vermelho, o guri aceitou a incumbência. No dia seguinte, apareceu com uma enorme lista de nomes, escrita a lápis num papel pardo em que enrolavam os pães.
Pelo menos agradeceu:
-Valeu, guri!
No programa do dia seguinte, o Vermelho, entusiasmadíssimo, começou a homenagear os possíveis novos ouvintes:
-Levanta, seu Osvaldo Pereira, são 6:15...
-Alô, dona Maria Dutra, tá na hora de tratar as galinhas...
No outro bloco:
-Quero mandar um abraço pro seu Henrique, que acompanha o programa...
-Fulano de tal... hora de levantar, e assim por diante.
Contudo, após encerrar o "Bom Dia Rio Grande", lá pelas 8 da manhã, começaram a chegar pessoas na rádio. Na verdade, chegaram perguntando pelo Vermelho. Eram os parentes dos homenageados. Foi só o primeiro, timidamente, explicar a situação que o Vermelho compreendeu a traquinagem do Chena:
-Seu Vermelho, quero agradecer a homenagem ao meu pai, mas ele faleceu há 22 anos...
E assim justificaram os que estavam lá e os que ainda chegaram na portaria da emissora durante o dia.
Não foi difícil descobrir de imediato que o Chena tinha ido ao cemitério municipal, copiado uma extensa lista de nomes nas lápides e os colocado na lista que o Vermelho queria de graça. Como não era natural de Portela, o Vermelho desconhecia os nomes. E o Chena... este escapou por pouco de levar uns cascudos, mas aproveitou as esquivas para bolar outra traquinagem, que contarei em outra oportunidade.