Uma questão de fé
Nos anos 50, o Padre Albino Busato era o pároco da Paróquia Nossa Senhora Aparecida. Época em que o Padre era o guia espiritual, o orientador das familias de imigrantes e incentivador na criação de capelas no interior do vasto município, então parte de Palmeira das Missões. Recém ordenado, fora designado pelo bispo diocesano em meados dos anos 40, ele teve a árdua tarefa de semear a religião católica, agregando grupos rivais e acolhendo imigrantes nos mais recônditos locais da Vila. Criou sociedades entre os italianos, alemães e poloneses, recém-chegados da região e oriundos das colônias velhas. Pregou nas comunidades indígenas, estimulou a construção de capelas e até influenciou o batismo de dezenas de localidades do interior, claro que com o nome de santos padroeiros.
Este destacado trabalho era todo feito a cavalo ou no lombo de burros. Eram jornadas longas, quase infindáveis, levando nas malas de garupa, sobre os animais, apetrechos para a Santa Missa, bíblias e breviários, roteiros e ferramentas para os sacramentos da comunhão, do batismo e até mesmo da extrema-unção.
Depois dessas jornadas quase cotidianas, à noite, exausto e cansado em decorrência das agruras que aquelas tarefas lhe impunham, o jovem pároco destinava boa parte de suas rezas noturnas para pedir a Deus apoio em sua jornada. O pedido central, feito com alguma parcimônia, uma vez que, nas condições daquela época, parecia ser impossível de ser atingido, era conseguir um veículo motorizado. Qualquer um, não precisava ser novo, nem haver preferência por marca; o desejo era que andasse e pudesse abreviar aquelas jornadas longas e cansativas, subindo morros e atravessando sangas pelo caminho mais curto. Parecia ser um sonho, uma quimera, para um pároco de uma igreja perdida no meio das matas da velha Palmeira das Missões. Mas, como diante de Deus nada é impossível, ele dizia... e de fato, não era mesmo.
Conforme o próprio padre me confidenciaria muitos anos depois, repetindo a máxima de que "quem espera sempre alcança", o milagre aconteceu. Foi em uma manhã de segunda-feira, quando, muito cedo, o delegado René da Motta bateu à porta com a chave de um milagre na mão.
— Padre Albino! Neste fim de semana, prendemos aqui na região três ladrões que andavam com um jipe “Land Rover” roubado em São Paulo. Como o senhor só anda a cavalo, resolvemos deixar o jipe para o senhor usar enquanto o dono não aparecer ou ele não for buscá-lo. Os meliantes nós enviamos para Palmeira, e o jipe o delegado regional mandou deixar aqui. Mas, como parado estraga mais do que andando, pensamos em deixá-lo sob sua guarda para o seu uso.
Curiosamente, o proprietário jamais apareceu. Jamais saberemos se foi por saber do uso cristão de seu veículo ou por achar que não valia a pena vir até os confins do Rio Grande do Sul buscar o jipe. Na verdade, ele nunca apareceu. O jipe foi usado por muitos anos pelo padre Albino, até que, nos anos 60, já velho e gasto, com sérios problemas no motor, depois de uma digna jornada, ficou abandonado no “Posto Esso” da Avenida Santa Rosa.
Lembro como se fosse hoje, quando, após contar esta história, o velho pároco sorria e, com um olhar fixo na distância, afirmou convicto:
— Jalmo! Esta é uma prova de que, na vida, tudo depende da fé!