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Bartimeu

Por Nilton Kasctin dos Santos

08/10/2021 às 16h31
Por: Jonas Martins Fonte: Jornal Província
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Jesus curando o cego perto de Jericó. Séc. XVII. Por Eustache Le Sueur, atualmente na Galeria Sanssouci, em Potsdam, na Alemanha.
Jesus curando o cego perto de Jericó. Séc. XVII. Por Eustache Le Sueur, atualmente na Galeria Sanssouci, em Potsdam, na Alemanha.

Numa cidadezinha da Palestina chamada Jericó, um mendigo pede esmolas. Tornara-se pedinte por ser deficiente visual. Nessa época (do Império Romano), um cego era considerado coisa ou animal. Não tinha nenhum direito.

Bartimeu não possui documento, casa ou profissão. Para comer, só algum resto. Sua roupa são andrajos e uma capa imunda. Nem nome possui, pois Bartimeu, em aramaico, quer dizer “filho de Timeu”. Sem direito de estudar, de trabalhar, enfim, de ter acesso a um meio de vida digno, o jeito é pedir esmolas.

Curioso que o nome do pai do mendigo é Timeu, que em aramaico significa “muito estimado”. Como pode então um cidadão respeitado (estimado) ter um filho mendigo? Sobre isso li que Timeu pode ter sido perseguido e morto por não concordar com a invasão romana no território palestino. O exército romano pode ter-lhe confiscado os bens e matado também os demais membros da família, sobrando apenas esse “filho de Timeu”. Isso é comum em períodos de guerra. Há quem sustente ainda que Bartimeu tivera seus olhos furados pelos soldados, que o colocaram na praça para servir de exemplo a quem contestasse o governo romano.

Mas o fato é que agora Bartimeu está jogado no chão, rogando por uma moeda a cada ruído que possa indicar a aproximação de uma pessoa.

De repente um alvoroço. Uma multidão eufórica se aproxima. O cego descobre que aquele povo todo acompanha Jesus Cristo, que passa por ali pouco antes de se entregar ao Calvário. É sua única chance, conclui. E grita:

- Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim! E todas as tentativas de dissuadi-lo da ação são rechaçadas com gritos insistentes e ainda mais altos. Jesus então para.

- Que queres que te faça? – indaga-lhe o Mestre.

- Que eu possa enxergar – replica convicto o cego.

E basta a um mendigo apenas passar a ver? E depois?

Parece muito pouco o que pede Bartimeu. Para um mendigo que só ganha esmolas por causa da cegueira, num primeiro momento é até pior voltar a enxergar, pois seu “ganha-pão” estaria prejudicado. Para onde vai e o que fará sem casa, profissão, família, documento? E sem poder contar com as moedinhas das esmolas?

Um detalhe fantástico: quando percebe que o Mestre se coloca ao seu dispor, Bartimeu joga fora a capa. Decididamente. E ninguém mais pode enxergá-lo como mendigo. Com a capa, vai-se a identidade de miserável, cego, pobre, doente e injustiçado. Agora Bartimeu é um seguidor de Cristo.

Ele ainda não tem qualquer bem material. Não tem casa nem trabalho. Não sabe se terá comida no dia seguinte. Mas, na sua alma, mendigar faz parte do passado. Agora ele pode ver. É isso que importa.

Quantas pessoas querem melhorar de vida, mas não jogam fora a capa que as identifica como derrotadas. Conheço pessoas que desejam prosperidade financeira, mas se recusam a fazer uma faculdade, um curso técnico, ou mesmo a trabalhar em qualquer atividade. Outras pedem ao patrão que as demita falsamente apenas para receber o seguro-desemprego. Outras não querem trabalhar com carteira assinada para não perder benefícios de programas governamentais. E não é raro encontrar pessoas que buscam um milagre de cura, mas primeiro querem aposentar-se por invalidez.

Querem a bênção da prosperidade sem abandonar as moedas da mendicância, sem jogar fora a capa que as identifica como vítimas sofredoras.

Tais pessoas têm a aprender com Bartimeu, que apenas pede o principal: voltar a enxergar. Poderia ter ponderado com o Mestre sobre o que vestiria, o que comeria e onde iria morar depois do milagre. Poderia ter-se queixado contando aos prantos seu passado cruel. Mas prefere lançar fora a capa da vitimização. Basta-lhe poder enxergar; o resto buscará depois.

 

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Nilton Kasctin
Sobre o blog/coluna
Promotor de Justiça, professor universitário e defensor do meio ambiente e do direito e bem estar do ser humano. Nilton Kasctin dos Santos escreve quinzenalmente no Jornal Província
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