Há pouco tempo o Supremo Tribunal Federal decidiu que as mulheres vítimas de violência doméstica não podem mais desistir de processar o agressor depois de terem registrado o fato na Polícia. A lei Maria da Penha já previa isso desde o início de sua vigência (em 2006), mas os tribunais haviam autorizado que os juízes não aplicassem a norma nesse aspecto, deixando a critério da vítima processar ou não o autor da agressão, o que dava à mulher a liberdade de “retirar a queixa” mesmo no curso do processo.
O Supremo acertou. E agora o Congresso Nacional se movimenta no sentido de obrigar o Poder Público a disponibilizar um equipamento eletrônico que avisa a vítima da aproximação do agressor, e ao mesmo tempo também avisa a Polícia. Nota dez para os parlamentares brasileiros. A violência contra as mulheres precisa ter um fim.
Todavia, o rigor da Maria da Penha, sua aplicação rápida pelo Judiciário e pela Polícia não significam solução definitiva para essa desgraça social que não destrói a vida da mulher vítima, apenas, mas de toda a família, comprometendo de maneira trágica o desenvolvimento socioafetivo de milhões de crianças indefesas pelo País afora.
A Lei, o aparato tecnológico e o preparo das polícias na proteção da mulheres são fundamentais e provocam alterações positivas imediatas nos lares palcos de agressões masculinas às mulheres. Mas é paliativo que ainda não basta para provocar uma transformação cultural em toda a sociedade, única forma capaz de erradicar de vez – embora a longo prazo – essa violência, que não se dá apenas contra a mulher pobre, mas contra todo o gênero mulher.
Ocorre que há no Brasil uma cultura de dominação masculina sobre a mulher, que não acabará apenas a partir da edição de uma lei e sua aplicação, com reservas de cotas políticas ou de emprego para mulheres, ou a partir do fato de que as mulheres estão “ocupando seu espaço no mercado de trabalho”, como se noticia todos os dias.
Ora, mesmo apesar da vigência desse sistema de proteção, tido como revolucionário, a estatística mostra que a violência contra a mulher não só se mantém, como continua se alastrando. É verdade que a lei protege as mulheres, e que estas estão de fato ocupando seu espaço na sociedade. Mas por que isso não provoca a erradicação da violência doméstica? Porque são medidas periféricas, denominadas teoricamente “remédios de reconhecimento afirmativo”, que servem apenas para amenizar a situação, não para mudar toda a forma de pensar da sociedade.
Se quisermos extirpar esse mal da sociedade brasileira, é preciso que se aplique um remédio mais forte, o “remédio do reconhecimento transformativo”. Só esse remédio pode promover uma reestruturação profunda no sistema cultural, desconstruindo as diferenciações culturais de gênero ao levar toda a sociedade à mudança da forma de pensar. É preciso que todos passem a ver o “outro cultural feminino” como parceiro social pleno.
Em resumo, todos precisam mudar, não somente os homens agressores. E a única solução está na educação. Um processo de transformação social que ponha fim à violência contra a mulher só pode se dar através de uma revolução educacional, que leve o homem e a mulher a uma nova vivência ética, que os faça compreender a vida de outra forma, que faça homens e mulheres enxergar no semelhante um companheiro sem o qual não podem continuar existindo como ser humano.
Sem que isso ocorra, infelizmente essa tragédia há de continuar.