
O Tripa era um rapaz magro, franzino até, mas alto, com um olhar atento e esperto. Sempre tinha uma história nova para contar. Era prestativo até certo ponto, parceiro dos amigos — mas, acima de tudo, era criativo. Muito criativo. Especialmente quando se tratava de inventar uma boa história para “enrolar” alguém.
Na adolescência, começou a se destacar na pequena cidadezinha. Não demorou para que suas façanhas passassem a ser consideradas... casos de polícia. Eram muitas as suas “peças”, se assim podemos chamar.
💉 A vacina de Q-Suco
Teve aquela do surto de raiva na região. Ao ouvir os comentários na rádio e na fila da venda, o Tripa teve uma ideia genial (e criminosa). Comprou dois ou três litros daqueles refrescos de abacaxi da marca Q-Suco — os de pó, que bastava misturar com água —, arrumou uma camisa branca, encontrou umas seringas usadas no descarte do Hospital Santo Antônio e, pronto: virou vacinador itinerante.
Saiu pelo interior vacinando os cachorros dos colonos. Cobrava bem pelo serviço e ainda prometia voltar para verificar a “evolução do tratamento”.
Alguns dias depois, agricultores começaram a chegar, apavorados, na inspetoria veterinária e na delegacia da cidade. Os cães vacinados — os que não haviam morrido — apresentavam inchaços, febre e até imobilidade nas patas. Um verdadeiro escândalo rural.
Quando os colonos descreviam o tal vacinador — magro, alto, camisa branca e com olhar esperto — não precisava muito:
— Mais uma do Tripa!
E alguém, no balcão da venda, ainda completou entre uma risada e outra:
— Pelo menos os cachorros ficaram imunizados... contra o próprio Tripa!
🎟️ A rifa da trilhadeira
Tem também o golpe da trilhadeira. Naqueles tempos, uma trilhadeira era o sonho de consumo de todo agricultor. E como havia uma em exposição, novinha, o Tripa logo viu oportunidade.
Pegou talonários antigos e numerados que encontrou no lixo do Banrisul, passou uma saliva no topete e foi até o ponto de exibição. Observava os colonos encantados com a máquina e se aproximava com sua lábia afiada:
— Tô com os últimos números da rifa! — dizia com convicção.
— É só 5 pila e tu pode levar essa belezura pra casa. O sorteio é domingo, na Festa da Igreja!
Vendeu como água. Chegado o tal domingo, durante o suposto sorteio, muitos colonos esperavam ansiosos e comentavam:
— Dizem que quem tava vendendo os números era um guri magro, meio comprido, cabelo colado...
Não precisou muito.
— Foi o Tripa!!!
E o mais velho da roda ainda concluiu, ajeitando o chapéu e com olhar de quem sabia das coisas:
— Esse Tripa podia até não ser santo, mas sabia fazer milagre... com o dinheiro dos outros!