A pauta que me haviam dado era basicamente a reprodução de uma denúncia feita por telefone — uma prática bastante comum naquelas redações. Tratava-se de um crime contra a economia popular. Resumidamente, dizia que os moradores do Quarto Distrito exigiam providências contra um homem que mantinha uma padaria clandestina em pleno funcionamento nos fundos de sua casa. Nunca entendi por que esses assuntos são pautados pela imprensa e não pelas autoridades competentes.
Os denunciantes, que obviamente eram vizinhos, relatavam as péssimas condições de higiene no local onde se fabricava o pão. Segundo eles, tudo era clandestino: sem alvará, sem qualquer tipo de fiscalização pública. Diariamente, saíam de lá três sacas de "cacetinhos" e dezenas de pães de hambúrguer, todos embarcados numa caminhonete TL antiga que invariavelmente seguia em direção ao centro, atravessando quase toda a Avenida Farrapos. Metade da carga ia espremida nos bancos de trás e a outra parte ficava na frente, sob o capô, junto ao tanque de combustível.
Acredito que, por minha audácia de outros tempos, fui o repórter destacado para verificar a veracidade dos fatos e denunciar o falsário em uma reportagem. A matéria deveria ser veiculada no programa do Daudt — aliás, eu era frequentemente escalado para apresentar denúncias no espaço de José Antônio. Éramos amigos, e ele valorizava muito meu estilo direto e sem rodeios de expor os absurdos que muitas vezes os cidadãos enfrentavam.
Semanas antes, lembro-me agora, participei do programa dele cobrindo uma pauta em que literalmente invadi, com fones e microfone, um abrigo clandestino de idosos, também na Zona Norte. Na ocasião, enquanto percorria corredores cheios de penicos, papel sujo, dejetos e roupas espalhadas pelo chão, eu descrevia ao Daudt, ao vivo para os ouvintes da Gaúcha, os horrores daquela situação desumana. O cabo de áudio, conectado à unidade móvel, às vezes derrubava penicos e se enroscava em chinelos e outros objetos no dormitório sombrio.
O cheiro daquele lugar era insuportável. Soube depois que o local era pago por pessoas que preferiam ver seus idosos longe dos olhos da família. O odor dos dejetos humanos, o ar impregnado pela acidez da urina e o olhar de abandono daqueles idosos desamparados, cobertos apenas por lençóis puídos, me obrigaram a interromper o relato e dizer de microfone aberto: — Daudt e ouvintes, isso é revoltante! É repugnante a situação dessas pessoas neste asilo de picaretas! Eu vou sair do ar porque não estou suportando o cheiro... vou vomitar!
E vomitei... Sim, vomitei o café da manhã, apoiando-me numa das muitas camas. Só então percebi a voz raivosa dos donos do local, atrás de mim, me ameaçando com processos e me acusando de invasão. Expulsaram-me de lá. Na rua, já no carro, com os fios recolhidos pelo motorista Lima, voltei ao ar mais calmo, mas não menos indignado. Naquela tarde, o local foi fechado pela vigilância sanitária.
Com o padeiro clandestino foi diferente. Quando parei para tentar entrevistá-lo, ele subiu no TL e seguiu seu roteiro atravessando a Farrapos em direção ao centro. No entanto, ele não imaginava que eu e Lima íamos segui-lo. Pouco depois da São Pedro, paramos lado a lado em um semáforo. Ele desceu da caminhonete, decidido a me encarar (assustar, ou até agredir), e eu, com o microfone em punho, pedi à Central que me chamasse ao vivo, pois já estavam informados da minha “operação”. Assim que Daudt explicou brevemente o que estava acontecendo, passei a descrever os fatos. O homem, enquanto isso, com o dedo em riste, me ameaçava. Minha sorte foi a chegada de uma viatura da Brigada Militar — na época, uns ‘opalões’ de quatro portas pintados de verde e branco.
Numa fiscalização rápida, após entenderem o tumulto em plena avenida, os policiais constataram mais pão do que eu imaginava sob o capô sujo de combustível. Alguns “cacetinhos” estavam soltos na cavidade onde deveria estar o estepe. Tudo pronto para ser entregue nas muitas “mini-vans” que estavam na moda na fabricação de lanches naquela época.
Sem nota fiscal, sem procedência e transportando alimentos em péssimas condições, a Brigada levou o padeiro para a delegacia. O setorista de polícia assumiu a pauta, e fui escalado para outro desafio... Se bem me lembro, era um pouco mais perigoso: um tiroteio durante uma tentativa de assalto na Marcílio Dias.